Havia um quê de obsessão na sexualidade que experimentávamos.
Eu tinha sempre que estar com sapatos bico fino e em tom rosa-pink. Se não
pusesse o sapato a coisa ficava tão morna que eu corria para armar o
cenário. No fundo, ambos apreciávamos a metamorfose que o sapato
produzia em nosso leito ou, melhor dizendo, nos nossos redutos sexuais. Sala,
banheiro, cozinha, e o melhor dos locais: sobre o peitoril da janela... um joguinho
perigoso onde as pernas ficavam para o lado de fora, balançando, balançando,
até que cadenciadamente chegávamos ao ápice da loucura!
Gritávamos em uníssono! E só assim apaziguávamos
nossos corpos.
O homem de branco insiste em suas perguntas e agora vem falar sobre a gloriosa
trajetória de Frank Sinatra, enfatizando o poder de sua voz e de seus
olhos azuis que penetravam no mais profundo do nosso eu... tudo se embaralhava
em minha mente. Eram muitas as referências para que eu as absorvesse.
Pareci ver os pés do homem de branco sobre o meu leito. Pareciam procurar
os meus... me excitou e imediatamente comecei a gritar pelo meu rosa-pink. Ele
saiu pedindo que me aplicassem a injeção sos.
Agora olho para o teto desse quarto frio. Frestas nas paredes mostram a decadência
desse estabelecimento. Há goteiras que fazem um barulho: pim... pim...
pim... Nesse exato momento, recebo a visita de uma ex-vendedora da loja que
me traz os sapatos rosa-pink. Eu os calço e pelos corredores do hospital
desfilo sob aplausos de todos e sob o olhar um tanto brilhante do homem de branco
que no momento tem nas mãos algo que me parece um...
No dia seguinte, sinto o cheiro da liberdade. Caminhando pela rua absorvo o
ar leve, e, próximo a um restaurante tailandês, vejo as pernas
e me fixo nos pés de um homem.
Ele está descalço, e eu também.