A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

UM OLHAR INDAGADOR

(Belvedere)

Seus olhos tinham um quê de indagação, de perplexidade. Isso desde tenra infância.

Linda, em sua juventude, ansiava por vôos promissores. Caminhava em linha reta rumo aos seus objetivos. Muitas vezes parecia flanar em sua moto, em direção ao hospital onde estagiava. Estava prestes a se formar em medicina.

Sua especialidade seria pediatria. Sempre fora muito apegada a crianças. A sua irmã mais jovem, Martha, ela tratava como filha, embora a diferença de idade entre ambas fosse de apenas cinco anos.

Sempre fora dócil, de uma meiguice um tanto incomum nos dias atuais. Quando se aproximava com aquela voz melodiosa, doce, os amigos diziam: Marie, sou diabético! Chega de doçuras! E riam...

Marie Claire ia cavando seus sonhos, angariando admiração por sua perseverança. Nada era empecilho para que trabalhasse; gripes, chuvas torrenciais, cólicas menstruais, nada fazia com que faltasse às aulas ou aos estágios. A famosa CDF!

Em uma noite de novembro, ao sair de um grupo de estudos, próximo ao hospital onde estagiava, foi rendida por um delinqüente. Era calma, procurou conversar com ele, disse que levasse o carro, um Audi novinho. A princípio o cara pareceu aceitar. Olhava o carro com o revólver na mão, e ria, ria, com uma expressão animalesca. Afastou-se dela e, a certa distância, acionou o gatilho. O tiro parou ali, no coração de Marie Claire. O relógio dela marcava 23h30. Era segunda-feira de um verão abrasador.

Ele fugiu sem nada levar.

Por quê? Creio que desde criança ela perguntava a si mesma, pois aquele olhar de indagação, de perplexidade, era a certeza de algo que não poderia nunca compreender.

  • Publicado em: 12/04/2004
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente