Seus olhos tinham um quê de indagação, de perplexidade.
Isso desde tenra infância.
Linda, em sua juventude, ansiava por vôos promissores. Caminhava em linha
reta rumo aos seus objetivos. Muitas vezes parecia flanar em sua moto, em direção
ao hospital onde estagiava. Estava prestes a se formar em medicina.
Sua especialidade seria pediatria. Sempre fora muito apegada a crianças.
A sua irmã mais jovem, Martha, ela tratava como filha, embora a diferença
de idade entre ambas fosse de apenas cinco anos.
Sempre fora dócil, de uma meiguice um tanto incomum nos dias atuais.
Quando se aproximava com aquela voz melodiosa, doce, os amigos diziam: Marie,
sou diabético! Chega de doçuras! E riam...
Marie Claire ia cavando seus sonhos, angariando admiração por
sua perseverança. Nada era empecilho para que trabalhasse; gripes, chuvas
torrenciais, cólicas menstruais, nada fazia com que faltasse às
aulas ou aos estágios. A famosa CDF!
Em uma noite de novembro, ao sair de um grupo de estudos, próximo ao
hospital onde estagiava, foi rendida por um delinqüente. Era calma, procurou
conversar com ele, disse que levasse o carro, um Audi novinho. A princípio
o cara pareceu aceitar. Olhava o carro com o revólver na mão,
e ria, ria, com uma expressão animalesca. Afastou-se dela e, a certa
distância, acionou o gatilho. O tiro parou ali, no coração
de Marie Claire. O relógio dela marcava 23h30. Era segunda-feira de um
verão abrasador.
Ele fugiu sem nada levar.
Por quê? Creio que desde criança ela perguntava a si mesma, pois
aquele olhar de indagação, de perplexidade, era a certeza de algo
que não poderia nunca compreender.