A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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OLHOS DE FLORESTA

(Belvedere)

Ela tinha olhos de floresta, assim dizia eu aos treze anos. "Por que floresta", perguntava ela? Eu nunca havia visto olhos assim. Só a palavra floresta definiria os olhos de Francisca. Eram verdes e tinham mesclas, e eu ficava impressionada pensando como se sentiria um ser humano tendo olhos de floresta.

Tínhamos a mesma idade, embora com minha infantilidade ela parecesse um mulherão perto de mim. E eu queria a todo custo ter os olhos de Francisca. Comprei um lápis verde e contornava meus olhos por dentro, por fora, até que pensassem que eram verdes. Mas não bastava que fossem verdes. Tinham que ser verde-floresta, como os de Francisca. Meus olhos cor-de-mel ficavam tão sem graça perto dos dela. Ai, se inveja matasse!

Hoje, quando estava saindo do cinema, após assistir a Invasões Bárbaras, ouvi uma pessoa me chamar. Olhei e bati com os olhos dela! Ai, Francisca! Quanto tempo! Quantos anos! Nunca te esqueci, nunca encontrei olhos como os teus. Ela sorriu e disse: "Olhos de floresta, não, Bel?" Eu ri confirmando.

O que havia nesses olhos agora? Os anos tinham passado e eles ainda eram de floresta, embora as folhas já mostrassem falta de viço, não mais aquela luminosidade.

E saímos do cinema falando sobre os dias atuais. Não quisemos relembrar o passado. Ela riu com minhas histórias, eu ri com as dela. Rimos até das tristezas que às vezes certos assuntos sugerem mesmo sem a gente querer.

Ao me despedir, dei o número do meu telefone, ela me deu o dela. Ainda perguntei se tinha computador e ela disse que sequer segurar o mouse sabia.

E nos abraçamos. Ambas com emoção, pois impossível era não relembrar o tempo de adolescência onde o mais importante para mim era ter olhos de floresta...

  • Publicado em: 05/04/2004
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