A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

O GOLPE

(Belvedere)

Silvana chorava sentada em um canteiro na rua. Por que chorava Silvana, pessoa alegre, sempre com uma palavra para animar as pessoas, nunca deixando que os fatos desagradáveis do cotidiano a afetassem? Doutor Djalma, velho conhecido de sua família, por acaso passava pelo local e, reconhecendo-a, parou para saber o que ocorria. Ela, então, explicou...

Quando estava no elevador, em direção ao décimo segundo andar do prédio de seu homeopata, encontrou uma carteira. Guardou-a logo para observar depois com cuidado. Ao entrar no consultório foi direto para o banheiro e abriu a carteira. Tinha quinhentos reais em notas de cem. Após a consulta, sem saber como proceder, foi surpreendida pelos gritos de um homem no corredor do mesmo andar onde estava. Ele dizia: "Deus meu, o que faço da vida? Todo meu pagamento..." Silvana perguntou o que ocorrera e o homem respondeu que havia perdido a carteira com todo o pagamento. Ela nada perguntou, pegou a carteira e entregou a ele.

Depois, na rua, ainda pensando no ocorrido e no bem que havia feito, depara-se com uma senhora, na faixa dos oitenta anos, chorando e procurando algo nos canteiros e depósitos de lixo. Silvana, então, pergunta:

- O que houve, minha senhora? Perdeu algo?

Ela responde, desesperada:

- Perdi minha carteira com toda minha pensão... quinhentos reais!

Silvana estremece.

- Como!?

Ela disse não saber. Tinha ido ao médico no Edifício das Clínicas e acreditava que ao mexer na carteira dentro do elevador, para pegar a carteirinha do plano de saúde, talvez a tivesse deixado cair sem sentir. Perguntou a várias pessoas, mas ninguém havia visto.

Chorando, ainda falou:

- E ainda tinha uma oração com a imagem de Santo Expedito dentro da carteira. Por que ele não me protegeu?

Silvana se arrepia, pois foi a primeira coisa que viu ao abrir a carteira. Nada podia dizer à pobre senhora, porém reconhecia que havia sido vítima de um golpe.

Sente ódio, um ódio crescente e àquele golpista ela lança sua maldição eterna. De sua boca saem palavras que o doutor Djalma nunca havia escutado. A praga era uma mistura de palavras ininteligíveis, piscada de olho, estalar de dedos, tudo sob o olhar assustado do doutor que, com sua bíblia nas mãos, ora no mesmo instante um pai-nosso, pedindo a Deus que a abençoe, e segue seu caminho...

  • Publicado em: 12/01/2004
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente