O clima era de grande expectativa no casarão. Aproximava-se o Natal.
A criançada se excitava, pensando no velho Noel e nas novidades que nos
traria. Seríamos atendidos dessa vez?
Cada dia vovô chegava com algo novo para a festa. A variedade que nossa
mesa de Natal apresentava valia o esforço que fazia. Ele dizia: "Afinal
de contas, é só uma vez ao ano!"
Porém, o ano seria diferente. Ocorreria o inusitado.
Dois dias antes do Natal, meu irmão Jorge Paulo decidiu escalar o armário
do quarto de bisa, com o firme propósito de descobrir os presentes. Na
verdade, fingíamos acreditar em Papai Noel, para não tirar a alegria,
principalmente de nossa avó.
Ao abrir o embrulho, Jorge Paulo não contém a alegria ao ver
a espingarda que havia pedido. Sorri e diz: "Estávamos certos! Papai
Noel não existe!" Nesse exato momento, entra minha mãe e
desespera-se com a visão: ele com a espingarda na mão, os outros
embrulhos sobre a cama... Ela dizia, em prantos, que estava tudo acabado...
Tia Gilse, pouco mais velha que nós, fazendo ares de senhora, entra no
quarto gritando: "Jorge Paulo, pelo amor de Deus, largue essa espingarda!
É de Tio Giovanni! Ele faz caças com ela! Que perigo..."
E fingimos acreditar. Todos se tranqüilizaram com a atitude adulta de Gilse.
Na noite de Natal, aceitamos nosso tio Joca vestido de Papai Noel, como sempre.
Fingimos acreditar nele como o bom velhinho. Era comovente o esforço
que ele fazia, enchendo-se de travesseiros. Como tinha jeito de Papai Noel,
por sua alegria, sabia lidar com a criançada. Porém, era magro,
parecia um gravetinho.
Na hora da distribuição dos presentes, Jorge Paulo abre um de
seus embrulhos, vê a espingarda e cai em um riso incontrolável.
O pessoal fica feliz com a presumida alegria. Que, no entanto, era puro deboche,
ou tipo de revanche oculta.
A partir daquele ano, decidimos entregar os pontos. Dissemos à vovó
e aos nossos pais e tios que não acreditávamos em Papai Noel e
pronto! Que tio Joca se vestisse e fosse para outras bandas!
Continuamos a ter as melhores festas de Natal do mundo. Muita alegria, muita
Paz.
Ao ver no que essa festa foi transformada hoje, sinto nostalgia. Vem-me à
lembrança a figura da vovó saindo de casa, à meia-noite,
para assistir à Missa do Galo. Algumas vezes, eu a acompanhava, com ares
de gente adulta. E a ceia? Logo no início, vovó fazia uma prece,
e depois entrávamos no clima da alegria, que passava a reinar soberana.
Bisa dizia o que havia feito de gostoso, apontando as iguarias. Os vizinhos
vinham confraternizar.
Considero-me privilegiada por ter conhecido o verdadeiro espírito de
Natal, traduzido em trocas afetivas, manifestações sinceras de
solidariedade, para que todos fossem felizes no dia do Grande Aniversariante.
Sem querer ser piegas, como gostaria que todos pudessem absorver o verdadeiro
espírito do Natal. Daquele Natal que vivenciei e nunca esquecerei por
estar arquivado de forma indelével em minha memória.