A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O Coração de George

(Belvedere)

Há muito desejava observar, às escondidas, o tratamento oferecido pelo meu amigo George aos mendigos das redondezas. Todos falavam sobre o fato e eu não podia imaginar o que realmente ocorria.

No último fim de semana, fui à casa da minha amiga Linda Maria, que é vizinha de George, e fiquei a espreitar pela janela do quarto de empregada que dá diretamente para o quintal dele, local onde recebe e dá trato aos mendigos.

Por volta do meio-dia, dois mendigos chegaram. Sujos, com feridas, cabelos emaranhados... Fiquei aguardando George. Logo que viu os mendigos, pediu que fossem se lavar no banheiro localizado no quintal. Ofereceu roupas limpas, toalhas, sabonetes. Os homens aceitaram e foram ao banho sob a supervisão dele, que, enquanto isso, com uma borracha d'água, ia lavando os chinelos cheios de lama dos mendigos.

Na hora do almoço, George arruma a mesa no quintal e oferece macarronada, guaraná e frutas como sobremesa.

Da janela, tudo observo. O que move George a cuidar com tanto carinho de mendigos que retornam sempre do mesmo jeito, sem nenhuma mudança?

Fiquei matutando...

Ouço George dizer a eles: "Tenho uma surpresa pra vocês. Um pavê de chocolate! Vou buscar agora na geladeira."

Deu as costas, e pude ver um dos mendigos olhar para o outro, colocar a mão na cabeça e com um dedo fazer rodas como a dizer "Ele é maluco!"

Não sei exatamente o que pensar do George, nem dos mendigos. Arrisco-me a dizer que deve ter esperança firme na reabilitação deles, daí seu empenho. Eles, por sua vez, certos de que nunca sairão da mendicância e considerando inútil o esforço de George, taxam-no carinhosamente de maluco.

É... só encontrei mesmo essa explicação. A única que me pareceu coerente.

No fundo, tudo isso me passa a certeza inabalável da bondade que existe nos corações... Quantas vezes esses seres passam por nós e sequer lhes damos a importância merecida.

George, para muitos, é um ser excêntrico. Para mim, é um iluminado!

Não resisti ao que vi, e no dia seguinte fui até a casa de George para falar sobre seu trabalho e o quanto ficara impressionada com sua paciência e desprendimento. Comentei que tinha ido visitar Linda Maria, pois o bebê já estava com um ano e eu ainda não o conhecia, e por isso sequer tive tempo de ir a sua casa. Expliquei, também, que havia observado tudo pela janela e que já sabia desse trabalho dele.

George, então, me disse que não deseja modificar os mendigos. Quer que eles vivam da forma que melhor lhes convier. Se desejarem outra vida, um emprego, ele tentará ajudar. Ainda perguntei se desejava convertê-los para alguma religião. Respondeu que apesar de ter a dele, jamais iria levá-la aos mendigos, pois para ele nenhuma religião se compararia ao Amor imenso que sente por esses irmãos desvalidos. Que deixassem-no fazer o seu trabalho, porque ali, naquele momento, sentia forte a presença do Criador. Isso bastava. Nada de conversões!

Vim para casa refletindo.

Podemos mudar o mundo, basta a vontade sincera e pura. O esforço, o respeito ao próximo e o exercício do amor são as diretrizes para a grande renovação.

Que comecemos essa revolução... dentro de nós

  • Publicado em: 15/12/2003
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