Ontem fui visitar minha Tia Lorena, no casarão. Ela tem tido umas crises
de hipertensão um tanto fora do contexto. Juntando-se a isso, fui visitar
meu Tio Joca que, mais uma vez, sob o efeito de seu elixir favorito, havia desacatado
os maconheiros de plantão e levara uma surra, tendo sido internado com
fratura de tíbia.
Como já estivesse em casa, visitei ambos.
Sentada sobre a poltrona de Vovó, miro no firmamento e vejo a passagem
de um filme remasterizado:
Eu ainda criança, as festas de aniversário, Vovó confeccionando
os bolos artísticos e minhas tias fazendo os docinhos multicores. O burburinho
da alegria chega me fazendo sorrir.
Ouço , então a voz de Ana Paula, minha priminha de nove anos,
que pergunta porque rio .Como explicar?
Digo que vá andar de bicicleta que depois vou pra Internet com ela. Ainda
bem que aceita a sugestão, pois continuo a assistir meu filme.
Chego ao Reveillon, que passávamos junto à orla, próxima
ao vilarejo. Os batuques, as algazarras, fogos de artifício e o encontro
de todo o vilarejo, plenificado pela paz.
Ah, o carnaval!...
Observo-me enfiando as mãos num cesto onde Vovó guardava todas
as fantasias, pois eram nove filhos e sempre colhíamos pedaços
de alegorias para nova criação. A grana era curta; o que salvava
era o talento de Vovó e a beleza da família (modéstia à
parte, qualquer trapinho sobressaía!)
Observo no filme o carinho de Bisa, bem cedinho, colocando a mesa do café.
Tinha mania de soprar o leite na leiteira pra esfriar; eu achava errado, e inventava
um nojo incomensurável para a nata que boiava. Fingia vômitos,
até que ela retirasse tudo. Aí eu bebia o café com leite
(urgh!...) que até hoje detesto. Mas, como dizer um não a toda
aquela ternura?
Hoje, sentada assistindo a esse filme, vi Vovô, com sua bengala, arregalando
os olhos azuis. Irado com alguma traquinagem, batia com a bengala no chão...e
nós ríamos.
Paro por uns minutos, pois me comove a lembrança, principalmente desses
que já estão do outro lado da margem.
Observo a realidade: a família envelhece!
Poucos burburinhos. Não há mais o cesto de fantasias, nem a leiteira.
Sobrou essa poltrona, onde me dou ao luxo de percorrer os cenários de
outrora. Profunda melancolia me invade a alma.
Chega Ana Paula e diz:
" - Belzinha; ora você ri e ora você chora; tá amalucada?"
Então, decido ir pra Internet com ela.