Parecia que eu entrava num túnel do tempo.
Na fila do teatro, aquela senhora bem vestida, maquiada, e com ar autoritário,
trazia-me a viva imagem de vovó. Olhava-a com tamanha insistência
que ela chegou a levantar a cabeça num gesto como se perguntasse "por
que me olha?"
Era a vovó de minha adolescência, ainda com a pele lisa, no início
de seu outono.
Entrei no teatro, pensando naquela fase da minha vida. Revia vovó nos
seus variados matizes...
No decorrer da peça, me vi vestindo as fantasias que ela confeccionava,
festejando os aniversários que ela preparava, sorvendo o licor de jenipapo
que era sua especialidade. Ouvia também as suas gritarias quando se zangava,
as discussões com bisa, Jarbas... E via suas lágrimas quando relembrava
as jovens e lindas filhas que partiram num prazo de uma semana, vítimas
de uma epidemia que assolou a cidade. Dor dilacerante, sem palavras que possam
definir.
Não me perguntem como foi a peça, nem sobre a interpretação
dos atores. A peça foi a lembrança da vida de minha avó,
e a influência que teve sobre a minha.
A atriz principal era ela. Altiva, bela e mais viva que nunca.