Naquele subúrbio onde passei boa parte de minha infância, a curiosidade
infantil era dirigida à casa dos Neivas. Era uma família diferente,
composta pelo casal Evangelina e Geraldo e seus dois filhos: Bianca e Marcelo.
Evangelina era adepta de uma religião que, de acordo com o estilo que
conduzia a vida, parecia ter como diretriz uma genuína repressão
à alegria de viver.
O que causava perplexidade era ver as duas crianças sempre à janela,
sem poder ir à rua, nem juntar-se às outras para as brincadeiras
próprias da idade. Viviam com roupas fechadas, totalmente diferentes
das outras crianças. Pálidas, porque não podiam brincar
ao sol, correr, jogar, enfim, não podiam ser crianças.
Evangelina tinha cabelos ultrapassando a linha da cintura, usava saias longas
e blusas abotoadas até o pescoço, e seu Geraldo também
vestia-se igualmente opressivo. Eram feios, macérrimos, a pele sem nenhum
viço.
Todos sentiam pena das crianças, pois via-se em seus rostos o desejo
de participar dos folguedos infantis. Mas nada lhes era permitido. Apenas viviam
através da janela.
Até que, certa manhã, Evangelina teve uma crise nervosa, quebrando
quase toda a casa. Veio uma ambulância, e ela foi contida pelos médicos
e levada a uma clínica psiquiátrica.
A partir daí Geraldo abre a casa, as crianças saem e começam
a viver!
Uma alegria imensa toma conta da rua! A criançada, então, reúne-se
para propor a Marcelo e Bianca uma oração coletiva para que Evangelina
nunca mais saia da clínica e eles continuem livres. Marisa, a mais esperta
das crianças, não gosta da idéia e faz a proposta de rezarem
diariamente em conjunto, mas pedindo a morte de Evangelina. Segundo a menina,
apenas dessa forma ficariam realmente livres da presença dela.
E todos concordam. Começam a fazer diariamente uma reza alta, como se
a altura da voz interferisse no pedido. Esperam o badalar do sino da igreja,
exatamente às dezoito horas. Somente assim acreditam que a reza tenha
valor.
A vida corre cheia de alegria para todos. Marcelo e Bianca agora têm um
colorido no rosto, usam roupas normais e são felizes...
Nunca mais falaram sobre a possível volta de Evangelina.
Um dia a reza parou, mas já havia passado muito tempo. Uns seis meses...
Numa tarde chuvosa de março, Evangelina retorna, para tristeza geral.
A casa é fechada, as crianças retornam à janela e a vida
acaba mais uma vez para elas. Volta a palidez, a clausura...
Seu Geraldo, na posição omissa, concorda, dizendo que é
para evitar novos surtos em Evangelina. Sempre agira assim, confessa. Tem na
alma uma profunda tristeza, mas não sabe o que fazer.
Bianca e Marcelo nunca mais saíram à rua para as brincadeiras.
As crianças, em profunda tristeza e decepção, juraram nunca
mais rezar, nem nada pedir a Deus.
Mudei-me daquela rua, dois anos após a grande decepção,
e hoje, tantos anos passados, sinto uma vontade imensa de saber o que aconteceu
com aquelas adoráveis crianças, que na verdade sempre fizeram
parte de minhas mais caras lembranças.