A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Uma Tarde Quente de Horror

(Cristiana de Barcellos Passinato)

Estive em uma tarde quente, em um presídio.

Parecia um terror.

Primeira visão, de funcionários que não lhe encaram de frente e mal fazem o que lhe são pagos.

Também, coitados, com o que ganham e vivendo aquele cenário todos os dias e tendo de lidar com todo tipo de gente, há de se criar um certo tipo de muro entre o humano e o racional.

Segundo, vislumbrei senhoras, moças, grávidas, crianças amontoadas esperando sua vez para ficar durante uma hora com seus parentes, amigos, primos, tios, sabe-se lá o quê, pelo menos um pouquinho que fosse, pois a visitação é de semana em semana.

Se quisessem visita íntima em um quartinho separado, seria pago mais cinqüenta reais para isso durante mais uma horinha.

Se for dia de visita especial, mais vinte reais por dia.

Soube que a alimentação é azeda e que para se comer algo melhor paga-se duas vezes por semana 50 reais para o detento comer algo melhor.

Soube ainda que se quisessem ainda poderiam nessa ida, comprar um refrigerante por quatro reais e um prato ou de batatas-fritas, pizza, ou frango a passarinho para eles comerem algo melhor, pois tem até um "garçom" lá servindo às famílias.

É muito triste e o pior é ver o espaço como encontram depois de devidamente revistadas e chamadas por um número, só entrando sua carteira no máximo e a espera de seus parentes ansiosas iam-se elas para o "quadradinho" para ver seus amados ou amores.

Quente, esse lugar, mais parecia um inferno.

Mal cheiroso, um barulho ensurdecedor, mas todos de uma forma muito complexa de se explicar felizes, beijando-se, abraçando-se, alguns até namorando mesmo, mas alguns chorando e quase caindo de dor, por estarem em um lugar que não deveriam estar.

Muitos até religiosos, com seus filhos, passando tão mal que até gélidos e brancos ficavam.

Vi alguns que comiam feito loucos e pediam mais, levantando-se e dizendo não mais agüentar, mas tinham que empurrar para sobreviver.

Alguns nada conseguiam colocar na boca.

Um disse-me que estava muito gripado, pois há uma bactéria que só existe lá dentro do "xadrez", aliás um espaço de quarenta metros quadrados onde ficam 67 pessoas.

Não se pode dar um movimento que esbarra-se em outro detento nesse calabouço que é pior que o inferno segundo esse senhor.

Além disso, esse presídio é tido como o pior da América Latina.

É doído ver a situação do outro lado, de quem está lá.

A tortura é diária, tanto física quanto psicológica, ainda por cima, há o abandono por todas as partes.

Dói muito a todos que vêm esse tipo de coisa.

Agora, peço para quem puder avaliar:

PODEMOS JULGAR ALGUÉM DESSA FORMA?

ESTAMOS AQUI FORA, PROTEGIDOS, OU DESPROTEGIDOS, E ELES ESTãO PIORES.

ACHO QUE O ASSASSINO, TRAFICANTE, O BANDIDO DE VERDADE ESTá ACOSTUMADO, FICA EM UMA SITUAçãO DESSAS "NUMA BOA" COMO DIZEM AS MáS LÍNGÜAS, MAS O HOMEM DE BEM SE DISTINGUE POR Lá E SABE-SE PELO SEMBLANTE SOFRIDO QUE AQUILO NãO É PARA ELE.

PARA ISSO, POR ESSA JUSTIçA TORTA QUE EXISTEM OS TAIS DIREITOS HUMANOS, POIS Há O BEM E O MAL POR Lá, NãO SE SABE QUEM É QUEM, QUANDO SE CAI EM UMA DESSAS NãO SE SABE MAIS O QUE É O QUE.

ENTãO A QUEM PUDER ESCUTAR-ME, NãO É O SISTEMA PENITENCIáRIO O CULPADO, ELE É UMA DAS MAIORES VÍTIMAS, MAS A JUSTIçA SIM, ACABA POR ESTAR CADA DIA MAIS INJUSTA, LENTA E TORTA!

ISSO NãO PODE CONTINUAR DESTA FORMA!

(08 de agosto de 2003)

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