Assistirei, dentro de alguns minutos, à partida Holanda x Uruguai, pelas
semifinais da Copa do Mundo 2010. Tudo bem, jogo da Copa, equipes tensas, times
bons, interessante...
Mas falta alguma coisa. Alguma coisa verde e amarela. Alguma coisa que inflama,
que bole com a gente, que mobiliza o país inteiro! Alguma coisa que suplanta
até os chatos-de-plantão, aqueles antenados,
sérios, seres humanos superiores, que só pensam nos dias em que
se trabalhou menos, os pensadores das desgraças, filósofos do
nada, que sempre têm um amargor insuportável (até para eles
mesmos), e que não toleram um rasgo de alegria na face do outro.
Não adianta, queridos! O mundo sempre continuará o mesmo 365
dias por ano, tendo ou não Brasil na Copa!
E ninguém quer isso o ano inteiro, ano após ano, quer? As mazelas
são velhas conhecidas de todos os povos, notadamente dos menos favorecidos,
mas, seguramente, eles abrem mão de tudo, até de comer, para terem
alguns momentos de êxtase, para torcerem por seus sonhos, personificados
naquelas partidas de 90 minutos em onze elementos esquisitos, muitos deles broncos,
sem berço, sem instrução, polêmicos, chacoteados,
mas todos, sem dúvida, idolatrados durante os jogos, ainda mais se acertarem
algum passe, fizerem algum gol, ou alguma defesa brilhante. A seleção
de futebol é uma verdadeira seleção do que guardamos de
alegria lá no fundo, do não sei o quê que tiramos da cartola,
desse sentimento indescritível, mas que qualquer criança sabe
o que é.
Não é só o Brasil que pára, é o mundo! É
comemoração por toda a parte!
Se observarmos as pessoas que universalmente se espremem, se fantasiam, se
pintam, se preparam, num ritual de alegria, alucinação e alienação,
veremos que são de cores diferentes, de semblantes e idades diversas,
línguas ininteligíveis, e que estão como que drogados pela
droga mais potente de todas: a disputa. É na disputa que se depositam
as esperanças, os sonhos, os anseios mais íntimos e menos confessáveis
da humanidade. E o futebol, naquelas 22 pernas, é o instrumento, a materialização
da vitória possível, mesmo que numa vida impossível de
se vencer.
São 90 minutos (ou mais) de expectativa, de concentração
de energia, de vibração com alguma coisa coletiva, que nos identifica,
sem distinção de poder aquisitivo, de raça, de credo e
de sexo. O esporte nivela as diferenças, e o futebol é mundialmente
o rei dos esportes. Você olha para o torcedor ao seu lado e vibra com
ele, sem nunca tê-lo visto antes, com um sorriso de cumplicidade, numa
parceria intuitiva! Você não sabe nada daquele sujeito, mas gosta
dele por saber que ambos querem a mesma coisa, que vestem a mesma camisa.
Otto Lara Resende dizia que o mineiro só é solidário
no câncer, e eu digo: o mundo só se reúne no
futebol, na Copa do Mundo.
O país se junta, o mundo se irmana e, de repente, tudo acaba. Para onde
foi a energia de dias atrás? Por que essa tristeza e esse desânimo
súbito?
Perdemos a Copa. Perdemos um sonho. Escapamos por pouco de ver Maradona pelado!
Bobagem! Não perdemos nada de importante, é certo. Nada como um
ente querido, ou um membro do corpo, ou a própria vida. É. Pensando
assim, tudo não passa de uma bobagem sem maiores significados, de um
circo, um nonsense, uma histeria coletiva ilógica.
Alguns pensam assim. Muitos, inclusive, se perguntam a razão de tanta
paixão, de tanto gasto, de tanta mobilização. Lembrarão
que o mundo atravessa crises, aquecimento global, terrorismo, epidemias, catástrofes!
Sim, sem dúvida, mas não será exatamente por isto que se
precisa de um ópio universal? Aí os torcedores se contagiam com
esse pensamento de inutilidade, e se voltam para os crimes, as infrações,
a eterna solidão do ser humano. Mas, por sorte, somente até a
próxima Copa. Porque quando 2014 chegar, não tem pra ninguém:
o hexa é nosso!