E cá estou eu, para mais uma Bienal do Livro, de Sampa. Dessa vez, para
evitar problemas, tirei cópia da identidade, evitei lenços e écharpes
na bagagem, e comprei, via Internet, as passagens de ida e volta com uma antecedência
de mais de 15 dias.
Tudo bem, tudo certo.
Arrumei as malas de véspera, minha e de minha filha, que também
já está escrevendo, e já nutre a mesma paixão da
mãe pelas bienais do livro.
Acordei cedinho, fiz o nosso desjejum, e liguei para a companhia de táxi,
para que nos buscassem 1 hora e meia antes da previsão de vôo.
Às nove, em ponto, a empresa avisa que o táxi já estava
à minha disposição, na porta do prédio.
Conferi tudo, chequei todos os detalhes, e rumamos para o aeroporto Santos Dummont.
No caminho, na Avenida Presidente Vargas, pudemos observar a fila de fiéis
nas proximidades da Igreja de São Jorge, santo do dia. Quase todos vestindo
vermelho, a cor do santo.
Não bastasse isso, o motorista, uma simpatia, deixa o rádio sintonizado
no Padre Marcelo Rossi. Senti-me, de certo modo, abençoada naquele momento.
Chegamos no guichê da VASP, para check in, às 09:15 horas.
Toda serelepe, apresentei minha reserva ao Jorge, funcionário com olhos
doces e arteiros, cumprimentando-o pelo seu dia.
No balcão, mais três atendentes jovens, risonhos e derretidos,
cheios de atenção para mãe e filha.
Começo a reparar na expressão preocupada do nosso Ogum
(ou Oxóssi, segundo o candomblé), olhando fixamente para o monitor,
com as sobrancelhas erguidas, uma acima da altura da outra, revelando inquietação.
Um friozinho sem vergonha já me percorria a espinha. Que diabos! Oh,
perdão, São Jorge! Que coisa!
Ouso perguntar assim, muito despretensiosamente, o que estaria acontecendo.
Nosso afro-descendente Jorjão me encara com fisionomia aflita, e diz
que meu vôo havia sido cancelado.
Tchan!
De novo, não!!!
Isso é karma de Bienal!!!
Perguntei, na boa, o que significava aquilo, na prática. Ele responde
que o máximo que poderia fazer seria me encaixar em outro vôo da
companhia.
- Como o máximo? E eu lá tenho culpa do vôo ser
cancelado?
Disse eu, já tamborilando os dedos no balcão.
- E ninguém me avisou nada. Não é justo! Hoje cedo,
quase que por intuição, abri os e-mails e não havia nada,
absolutamente nada da VASP. Estão pensando que a gente está de
brincadeira?
A essa altura, o nervosismo já começava a querer se apoderar
de minha pessoa.
Expliquei de maneira bem carinhosa ao Jorge, que sabia que ele não tinha
culpa, mas que eu, a consumidora, muito menos.
Pergunto qual o vôo mais próximo, e ele me responde que só
às 11:20 horas.
Ora, meu lançamento estava marcado para meio-dia, e o vôo só
chegaria a São Paulo às 12:15 horas, fora o tempo gasto para pegar
bagagem, além do deslocamento. Chegaria lá na Bienal já
na hora de acabar o lançamento.
Perguntei se não dava para me encaixar no vôo das 09:30 horas,
e ele foi verificar rapidinho, já que estava bem em cima da hora.
Veio sorrindo, dizendo que sim, e fiquei toda contente. Mas teria que ser bem
depressa, pois a última chamada já estava sendo feita.
Quando ele vai imprimir os tickets de embarque, por incrível que pareça,
cai o sistema. E fica fora do ar um bom tempo. Tempo suficiente para o avião
decolar sem mim.
Bem, e agora? Eram 09:45 horas, e eu já estava tensa, de pé no
balcão há meia hora, precisando chegar em São Paulo bem
antes do meio-dia.
Sugeri que autorizassem meu embarque por uma outra empresa, possibilidade essa
que o Eduardo, uma espécie de supervisor, foi verificar.
Depois de mais de 15 minutos aguardando, volta o Eduardo dizendo que São
Paulo não havia autorizado o endosso, alegando que meu ticket era promocional.
Ah... pra quê? Então fazem promoção para atrair clientela,
e o incauto vira lixo? Não tem importância para a companhia? O
que é que é isso? Então, se você compra um bilhete
promocional, a empresa passa a ter direitos sobre sua vida, seus horários,
seus compromissos, e dispor deles de acordo com a comodidade da VASP? Ah, mas
isso não ia ficar assim.
Mas o que é que eu podia fazer ali, naquele momento?
Aceitei a marcação para o vôo das 11:20 horas, muito a contragosto,
já com medo de ficar sem aquele também, percebendo que não
adiantava esbravejar com os atendentes.
Aí, me pedem para aguardar a emissão dos bilhetes. E nada. Mais
15 minutos de pé. A essa altura, eu já estava 1 hora em pé,
no mesmo lugar, de salto alto óbvio e com uma dorzinha
lombar incômoda.
Carlinhos de Jesus o próprio chega do nosso lado e marca
seu assento no nosso vôo.
Duas criaturas esquisitas chegam no balcão, discutindo, e percebo que
eles também estavam no tal vôo cancelado. Meto-me na conversa e
aviso que, naquele dia, eu estava com o pé frio. O mais alegrinho do
casal bate três vezes na madeira, com os olhinhos revirados, e pergunta
se eu iria no próximo...
Quando finalmente emitem o bilhete, resolvo procurar uma cadeira, depois de
mais de uma hora de pé naquele balcão, que pretendo nunca mais
nem ver.
Percebi que Jorjão, assim como provavelmente São Jorge, estava
penalizado.
Entramos na sala de embarque e, logo após, somos chamadas.
Conseguimos um lugar sobre a asa esquerda, mas minha filha estava feliz com
a viagem e me passou sua alegria.
O vôo foi agradável, "Ogum" o tornou breve e suave, embora
no outro lado do corredor, na mesma fila, tivesse se acomodado um sujeito muito
suspeito, ansioso, suando em bicas. Minha menina comentou que ele tinha toda
a pinta de terrorista. Depois brincou sobre a sigla VASP, dizendo que o real
significado seria Voando Agora Sentindo Pânico. Pouco depois da decolagem,
o tal terrorista se levanta, abre o bagageiro, e retira uma maleta,
ainda com uma sudorese profusa. Ficamos com a respiração presa,
até que ele abre a maleta e tira de lá seu laptop. Definitivamente
estamos assistindo a muito filme de James Bond...
Pousamos bem. São Paulo estava quente, ensolarado, parecia feliz com
nossa chegada.
Havia um ônibus nos aguardando para o transporte até o salão
de bagagem. Pouco ônibus para muito passageiro, mas era trajeto curtinho.
Mal o ônibus deu a partida, enguiçou. E lá fomos nós
para outro ônibus. E sobe, e desce, e carrega bagagem de mão, e
se é empurrado...
Não era mesmo o nosso dia com máquinas.
Pegamos a bagagem, e nosso amigo Beto Quelhas, querido poeta que sempre me
recebe como celebridade,logo chegou, a fim de nos levar para a Bienal do Livro,
com o carinho e atenção de sempre. Muito bom rever esse querido
amigo.
Não posso descrever a emoção de encontrar pessoalmente
poetas que já conhecia por correspondência e por seus trabalhos
divulgados. Uma energia muito forte se apossou de todos nós, e sentimos
esse estado de graça, essa aura de paz, alegria e comunhão.
O stand da editora Scortecci estava em festa: três lançamentos
simultâneos, muita gente bonita e feliz, muitos fãs e autógrafos.
Valdez, nosso poeta paraibano, ainda nos surpreende com uma autêntica
pinga de sua terra, que ajudou a aquecer o coração e agitar os
ânimos, sem falar no aperitivo: nada menos que tanajuras fritas e torradas.
Isso mesmo, tanajuras, aquelas formigas de traseiro avantajado. Argh! E teve
quem repetisse o acepipe! (eu repeti foi a pinga...).
Angela Bretas, autora brasileira, residente nos Estados Unidos, não permitiu
que a poeta carioca autografasse e abraçasse seus fãs com o bafo
de pinga, e sacou da bolsa uma hóstia maravilhosa, de hortelã,
que disfarçou bem o cheiro desta que vos escreve.
Brincamos, fotografamos, nos abraçamos, confraternizamos, enfim, vivemos
uma experiência magnífica, junto com pessoas de sensibilidade incontestável,
num ambiente de livros, histórias de vida e ficção.
Pra não dizer que a carioca aqui não pagou nenhum miquinho em
Sampa, ao ir ao banheiro, junto com uma turma de alunos do ensino fundamental,
turma de deliciosas crianças barulhentas, numa algazarra sem fim, a sandália
- salto 10 - prende no tapetinho de entrada, e arrebenta justamente a sustentação
entre os dedos, ou seja, caminhar, dali em diante, passou a ser tortura.
Mas quem disse que alguém percebeu o acontecido? E alguma carioca, por
acaso, perde o rebolado com uma sandalinha salto 10 arrebentada? Têm dúvida?
Então leia o acontecido na Bienal do Livro de Sampa, de 2002...