A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Uma Carioca na Bienal do Livro - Sampa 2004

(Lílian Maial)

E cá estou eu, para mais uma Bienal do Livro, de Sampa. Dessa vez, para evitar problemas, tirei cópia da identidade, evitei lenços e écharpes na bagagem, e comprei, via Internet, as passagens de ida e volta com uma antecedência de mais de 15 dias.
Tudo bem, tudo certo.
Arrumei as malas de véspera, minha e de minha filha, que também já está escrevendo, e já nutre a mesma paixão da mãe pelas bienais do livro.
Acordei cedinho, fiz o nosso desjejum, e liguei para a companhia de táxi, para que nos buscassem 1 hora e meia antes da previsão de vôo.
Às nove, em ponto, a empresa avisa que o táxi já estava à minha disposição, na porta do prédio.
Conferi tudo, chequei todos os detalhes, e rumamos para o aeroporto Santos Dummont.
No caminho, na Avenida Presidente Vargas, pudemos observar a fila de fiéis nas proximidades da Igreja de São Jorge, santo do dia. Quase todos vestindo vermelho, a cor do santo.
Não bastasse isso, o motorista, uma simpatia, deixa o rádio sintonizado no Padre Marcelo Rossi. Senti-me, de certo modo, abençoada naquele momento.
Chegamos no guichê da VASP, para check in, às 09:15 horas.
Toda serelepe, apresentei minha reserva ao Jorge, funcionário com olhos doces e arteiros, cumprimentando-o pelo seu dia.
No balcão, mais três atendentes jovens, risonhos e derretidos, cheios de atenção para mãe e filha.
Começo a reparar na expressão preocupada do nosso “Ogum” (ou Oxóssi, segundo o candomblé), olhando fixamente para o monitor, com as sobrancelhas erguidas, uma acima da altura da outra, revelando inquietação.
Um friozinho sem vergonha já me percorria a espinha. Que diabos! Oh, perdão, São Jorge! Que coisa!
Ouso perguntar assim, muito despretensiosamente, o que estaria acontecendo. Nosso afro-descendente Jorjão me encara com fisionomia aflita, e diz que meu vôo havia sido cancelado.
Tchan!
De novo, não!!!
Isso é karma de Bienal!!!
Perguntei, na boa, o que significava aquilo, na prática. Ele responde que o máximo que poderia fazer seria me encaixar em outro vôo da companhia.

- “ Como o máximo? E eu lá tenho culpa do vôo ser cancelado?”

Disse eu, já tamborilando os dedos no balcão.

- “ E ninguém me avisou nada. Não é justo! Hoje cedo, quase que por intuição, abri os e-mails e não havia nada, absolutamente nada da VASP. Estão pensando que a gente está de brincadeira?”

A essa altura, o nervosismo já começava a querer se apoderar de minha pessoa.
Expliquei de maneira bem carinhosa ao Jorge, que sabia que ele não tinha culpa, mas que eu, a consumidora, muito menos.
Pergunto qual o vôo mais próximo, e ele me responde que só às 11:20 horas.
Ora, meu lançamento estava marcado para meio-dia, e o vôo só chegaria a São Paulo às 12:15 horas, fora o tempo gasto para pegar bagagem, além do deslocamento. Chegaria lá na Bienal já na hora de acabar o lançamento.
Perguntei se não dava para me encaixar no vôo das 09:30 horas, e ele foi verificar rapidinho, já que estava bem em cima da hora.
Veio sorrindo, dizendo que sim, e fiquei toda contente. Mas teria que ser bem depressa, pois a última chamada já estava sendo feita.
Quando ele vai imprimir os tickets de embarque, por incrível que pareça, cai o sistema. E fica fora do ar um bom tempo. Tempo suficiente para o avião decolar sem mim.
Bem, e agora? Eram 09:45 horas, e eu já estava tensa, de pé no balcão há meia hora, precisando chegar em São Paulo bem antes do meio-dia.
Sugeri que autorizassem meu embarque por uma outra empresa, possibilidade essa que o Eduardo, uma espécie de supervisor, foi verificar.
Depois de mais de 15 minutos aguardando, volta o Eduardo dizendo que São Paulo não havia autorizado o endosso, alegando que meu ticket era promocional.
Ah... pra quê? Então fazem promoção para atrair clientela, e o incauto vira lixo? Não tem importância para a companhia? O que é que é isso? Então, se você compra um bilhete promocional, a empresa passa a ter direitos sobre sua vida, seus horários, seus compromissos, e dispor deles de acordo com a comodidade da VASP? Ah, mas isso não ia ficar assim.
Mas o que é que eu podia fazer ali, naquele momento?
Aceitei a marcação para o vôo das 11:20 horas, muito a contragosto, já com medo de ficar sem aquele também, percebendo que não adiantava esbravejar com os atendentes.
Aí, me pedem para aguardar a emissão dos bilhetes. E nada. Mais 15 minutos de pé. A essa altura, eu já estava 1 hora em pé, no mesmo lugar, de salto alto – óbvio – e com uma dorzinha lombar incômoda.
Carlinhos de Jesus – o próprio – chega do nosso lado e marca seu assento no nosso vôo.
Duas criaturas esquisitas chegam no balcão, discutindo, e percebo que eles também estavam no tal vôo cancelado. Meto-me na conversa e aviso que, naquele dia, eu estava com o pé frio. O mais alegrinho do casal bate três vezes na madeira, com os olhinhos revirados, e pergunta se eu iria no próximo...
Quando finalmente emitem o bilhete, resolvo procurar uma cadeira, depois de mais de uma hora de pé naquele balcão, que pretendo nunca mais nem ver.
Percebi que Jorjão, assim como provavelmente São Jorge, estava penalizado.

Entramos na sala de embarque e, logo após, somos chamadas.
Conseguimos um lugar sobre a asa esquerda, mas minha filha estava feliz com a viagem e me passou sua alegria.
O vôo foi agradável, "Ogum" o tornou breve e suave, embora no outro lado do corredor, na mesma fila, tivesse se acomodado um sujeito muito suspeito, ansioso, suando em bicas. Minha menina comentou que ele tinha toda a pinta de terrorista. Depois brincou sobre a sigla VASP, dizendo que o real significado seria Voando Agora Sentindo Pânico. Pouco depois da decolagem, o tal “terrorista” se levanta, abre o bagageiro, e retira uma maleta, ainda com uma sudorese profusa. Ficamos com a respiração presa, até que ele abre a maleta e tira de lá seu laptop. Definitivamente estamos assistindo a muito filme de James Bond...

Pousamos bem. São Paulo estava quente, ensolarado, parecia feliz com nossa chegada.
Havia um ônibus nos aguardando para o transporte até o salão de bagagem. Pouco ônibus para muito passageiro, mas era trajeto curtinho.
Mal o ônibus deu a partida, enguiçou. E lá fomos nós para outro ônibus. E sobe, e desce, e carrega bagagem de mão, e se é empurrado...
Não era mesmo o nosso dia com máquinas.

Pegamos a bagagem, e nosso amigo Beto Quelhas, querido poeta que sempre me recebe como celebridade,logo chegou, a fim de nos levar para a Bienal do Livro, com o carinho e atenção de sempre. Muito bom rever esse querido amigo.

Não posso descrever a emoção de encontrar pessoalmente poetas que já conhecia por correspondência e por seus trabalhos divulgados. Uma energia muito forte se apossou de todos nós, e sentimos esse estado de graça, essa aura de paz, alegria e comunhão.
O stand da editora Scortecci estava em festa: três lançamentos simultâneos, muita gente bonita e feliz, muitos fãs e autógrafos.
Valdez, nosso poeta paraibano, ainda nos surpreende com uma autêntica pinga de sua terra, que ajudou a aquecer o coração e agitar os ânimos, sem falar no aperitivo: nada menos que tanajuras fritas e torradas. Isso mesmo, tanajuras, aquelas formigas de traseiro avantajado. Argh! E teve quem repetisse o acepipe! (eu repeti foi a pinga...).
Angela Bretas, autora brasileira, residente nos Estados Unidos, não permitiu que a poeta carioca autografasse e abraçasse seus fãs com o bafo de pinga, e sacou da bolsa uma hóstia maravilhosa, de hortelã, que disfarçou bem o cheiro desta que vos escreve.
Brincamos, fotografamos, nos abraçamos, confraternizamos, enfim, vivemos uma experiência magnífica, junto com pessoas de sensibilidade incontestável, num ambiente de livros, histórias de vida e ficção.

Pra não dizer que a carioca aqui não pagou nenhum miquinho em Sampa, ao ir ao banheiro, junto com uma turma de alunos do ensino fundamental, turma de deliciosas crianças barulhentas, numa algazarra sem fim, a sandália - salto 10 - prende no tapetinho de entrada, e arrebenta justamente a sustentação entre os dedos, ou seja, caminhar, dali em diante, passou a ser tortura.
Mas quem disse que alguém percebeu o acontecido? E alguma carioca, por acaso, perde o rebolado com uma sandalinha salto 10 arrebentada? Têm dúvida? Então leia o acontecido na Bienal do Livro de Sampa, de 2002...

  • Publicado em: 06/05/2004
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