Nunca havia pensado muito sobre isso, até receber um e-mail de um amigo
querido, falando sobre o tema. Ele dizia que "o traço comum a todos
é a aversão à morte, a inquietação diante
do medo e do desconhecido". De repente, não sei bem o porquê,
isso me incomodou.
Até então, o que eu pensava da morte é que ela seria fim
do imenso prazer de se estar vivo. E eu, que sentia isso tão distante,
nunca parei para realmente refletir a respeito.
Como ele, o meu amigo, também não quero morrer. Também
"prefiro viver, mesmo que agruras e desencontros permeando a existência
contraditória". Não quero morrer, porque não acredito
em nada após essa vida. Não que tenha medo, não tenho,
mas recuso-me a tentar embalar a idéia de separação e perda,
numa possibilidade ilógica e absolutamente sem pé nem cabeça,
de voltar em outro corpo, outra era, com outros parentes, tendo que reaprender
as coisas, como se já não tivesse refeito meu caminho tantas e
tantas vezes por aqui. Nego-me a aceitar a idéia de que já estive
aqui e ainda vou voltar. Ora bolas, não tenho a menor vivência
de tais eras passadas, então, qual a "moral da história"?
Qual o sentido de voltar sem se saber a quê veio? Não tem lógica!
Claro que logo argumentariam qual seria a lógica de se viver sem um
propósito, sem um motivo.
A esses, eu responderia que somos o resultado de um acaso. Não houve
uma mente pensante, do tipo: "vou fazer o mundo, colocar os caras ali e
ver se eles aprendem o verdadeiro sentido da vida".
Na na ni na não! Não vou enveredar por esses caminhos. O ser
humano tem essa coisa de tentar buscar uma explicação para tudo,
é natural, eu mesma sou assim. Mas a ciência já nos apontou
o caminho há tanto tempo e, ainda assim, a teimosia (outra característica
humana) impera.
Penso na vida, na existência, como fração de segundo, que
se esgota, quando termina seu tempo. Tempo esse que, felizmente, não
sabemos nunca quando findará. É química, física,
matemática, impulsos elétricos, reflexos, uma mistura danada de
boa!
Não, não tenho medo, por mim, de terminar meus dias. Não
há céus e inferno, ao menos não essa idéia de postergar
a conta pra outra vida. Somos o que somos, o que fazemos e o que conseguimos
driblar, seja por bem, ou por mal. Não há recompensa, que não
esteja dentro de nós. Não há juízo final, que não
aquele, lá dentro, numa audiência presidida por nós mesmos,
onde fazemos o papel de vítima e réu, de defensor e promotor da
acusação, de culpado e inocente. Nossa consciência está
bem viva, todos os dias, quando deitamos a cabeça no travesseiro. E não
há presídio pior do que o interno. Aquele de onde não se
tem como escapar, que não há condicional, muito menos apelação.
Sabemos exatamente onde está a arma, quem é o culpado e qual a
pena.
Não, definitivamente não gostaria de morrer, é certo,
porque aqui está muito bom, estou bem assim. Ainda tenho muito o que
ver, ouvir, sentir, testar, provar. Por isso não quero que acabe todo
esse mel, esse perfume, essa beleza, essa sinfonia que é viver.
Mas temo muito mais pelos que ficam, marcadamente os filhos que, mal ou bem,
esperam que sejamos imortais, até que eles próprios se tornem
deuses.
Como disse sabiamente esse meu querido amigo, "quem mandou pôr maçãs
no Éden?".
Segundo ele, deram-nos a tentação de sempre querer mais e mais.
De não desistir, de sempre buscar a beleza e o amor. Não encaro
como defeito, mas como característica. É humano ter curiosidade,
ambição, desejos e necessidade de satisfação deles.
Ah, o amor... e ainda por cima temos que encarar esse negócio de paixão,
de amor, de outra metade da maçã.
Eu devolvo a pergunta desse meu amigo pensador, que formulou a questão
se teria graça esse mundo sem maçãs, com a assertiva de
que também não haveria a menor graça se existissem maçãs,
sem ninguém a desejar comê-las.
Já que temos que morrer, que morramos saciados, plenos de vida.