O mundo inteiro se preocupando com o aquecimento global, as guerras religiosas,
a fome crônica, a guerrilha urbana, as novas doenças, e nós,
aqui, no glamoroso universo tupiniquim, discutindo o comprimento da saia de
uma jovem universitária...
É impressionante a pequenez do brasileiro médio! Faz pose de
moderno, de liberal, de humilde até, mas, no fundo, não passa
de um primitivo machista tacanha e obtuso. E, pior, as mulheres são as
mais agressivas, quando se trata de outra, notadamente se bonita ou sensual,
se desejada ou em evidência. Que coisa feia! Que gente pobre de espírito!
Tantas e tantas coisas a se fazer numa época difícil como a que
vivemos! Tantos e tantos problemas sérios e urgentes a se buscar soluções!
Inúmeras perguntas sem respostas, vidas sem esperança, e ainda
vemos pessoas se unindo para difamar, agredir, humilhar uma pessoa a troco de
nada, apenas por sua maneira de ser ou de se vestir.
Concordo que uma universidade não é o local ideal para exibição
de dotes físicos. É esperado que se exiba dotes mentais, intelectuais
e de formação de caráter. Contudo, foi lá, no ambiente
universitário, que uma moça de 20 anos foi odiosamente atormentada
por uma turba de neuróticos alienados, incorporados de uma índole
perversa, como sói acontecer entre os jovens mais covardes - que, individualmente,
não teriam coragem de sequer balbuciar qualquer palavra a quem quer que
seja - apenas por vestir uma roupa provocante.
E - o pior de tudo - com a anuência do alto escalão da universidade,
que tontamente acabou por expulsar - pasmem - a vítima!
Vivemos uma época de extremos, desde os religiosos (quando se mata em
nome de deus), até os políticos (onde um país é
entregue nas mãos de representantes do povo, que só fazem arruinar
os sonhos do povo), passando pela guerrilha urbana dos traficantes de armas
e drogas, e uma sociedade de dependentes químicos e virtuais, incluindo,
aí, a mídia.
E no momento em que estamos tentando combater as mazelas em nossa casa, em
nossa cidade, em nosso país, no momento em que estamos nos preparando
para sediar uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, virando vitrine para
o mundo, surgem fatos torpes como este, e nos mostram claramente que não
estamos preparados para sediar nem nossa própria família em paz.
Voltamos ao começo de tudo, à barbárie, à lei de
talião, ao "olho por olho, dente por dente". Não há
mais solidariedade, altruísmo, compreensão. As palavras amizade,
compartilhamento, carinho e bondade saíram das páginas do nosso
dia-a-dia, dando lugar à indiferença, à falta de opinião
própria, às reações em massa, à lentidão
de pensamento.
Tudo é a moda, é a TV, é o esdrúxulo se tornando
ícone, é o venal se tornando legal, é a desagregação
no lugar da integração. E tanto se fala em integração
e inclusão social, e o que se deseja é a absoluta exclusão
do outro.
Como se nada tivesse acontecido, a direção da universidade volta
atrás na expulsão da aluna (como se ela tivesse clima para voltar
a estudar lá e enfrentar a turba de cerca de 700 estudantes que a humilharam),
possivelmente temendo a implicação judicial e a queda no número
de alunos, a partir do episódio nefasto.
A moça vai se recuperar, é claro, vai conseguir vaga em alguma
outra universidade, até melhor (já houve propostas nesse sentido),
vai aparecer em entrevistas, reportagens, programas de TV, é capaz de
virar celebridade, numa condição oposta àquela que deu
origem a toda essa confusão.
Ela vai se recuperar, sem dúvida! Nós é que não.
Nós, que lutamos contra todo o tipo de preconceito, de violência,
de assédio e discriminação. Nós, que tentamos viver
dentro dos padrões de boa convivência, de civilidade, que criamos
nossos filhos acreditando que o mundo é diferente do que eles ouvem falar;
que eles, os filhos, poderão torná-lo o melhor lugar que existe,
onde quer que estejam. Nós é que vemos, com situações
como esta, nossas esperanças de um futuro melhor indo por água
abaixo.
É lamentável a quantidade de abominações que se
falou ou escreveu acerca desse episódio. É triste vermos rapazes
e moças com atitudes tão aviltantes. É terrível
sabermos que a mulher, que vem lutando com tanta dificuldade para conseguir
um lugar de igualdade, de liberdade de atos e pensamentos, ainda abraça
o preconceito, o despeito, o cinismo e a hipocrisia como bandeiras de sua evolução.
Pelo que pude observar, voltamos ao começo, ao tempo das cavernas, e
não estranharia nem um pouquinho se, em outra universidade qualquer,
alguma moça fosse arrastada pelos cabelos por um ou dois ou inúmeros
estudantes chateados porque ela ousou aparecer de salto alto ou de cabelo azul.
(10/11/2009)