A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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NAMORADO

(Lílian Maial)

Lá vem o Dia dos Namorados e, mais uma vez, teimo em escrever sobre ele.

Mas é porque namorado é coisa de adolescente, como eu.

E, já que estou em plena adolescência tardia ou, como prefiro, readolescência, cabe perfeitamente martelar sobre o tema.

Vale colocar que nem todos sabem direito o que é ser namorado.

Namorado não é ficante, não é amigo colorido (nem preto & branco), não é amante, não é marido, não é noivo.

Namorado nem precisa amar, pra falar a verdade, embora a maioria ame, mesmo que não saiba.

A condição básica para ser namorado é estar apaixonado.

Sabe como é, aquela condição em que a gente fica bobo, fazendo coisas bobas, mas muito feliz.

É sair de mãos dadas com seu amor, caminhando na Floresta da Tijuca depois de um dia de chuva, encharcando o tênis em poças, mas não estando nem aí pra isso, porque ele está ali, do seu lado.

É emaranhar os dedos e os cabelos nas teias úmidas de aranhas impertinentes, e tentar lavar as mãos no riacho, respingando seu amor de surpresa.

É brincar de pegar, por entre as árvores, com ele e os raios de sol, filtrados pela folhagem.

É olhá-lo o tempo todo, seja dirigindo, seja distraído, ou seja olhando pra você.

É não se cansar de beijá-lo na boca e, a cada vez, perceber um novo sabor, uma nova sensação, embora tenha a certeza de que o identificaria entre um milhão de bocas.

É percorrer os dedos por sobre sua pele, brincar com seus sinais e pêlos longos, descobrir pequenas reentrâncias e se aventurar nos músculos retesados de prazer.

É sentir seu olhar de qualquer distância, mesmo que só na lembrança, a quilômetros, em outra rua, outro bairro, outra cidade.

É ouvir sua voz chamando nosso nome no ruído do vento.

É convidá-lo para almoçar e não conseguir lembrar qual foi a comida que nos alimentou.

É implorar a "São Graham Bell" que o telefone toque e seja ele, e depois não querer desligar nunca mais.

É perder a concentração no trabalho, guardar na mesa do escritório aquele bichinho de pelúcia ridículo (para a sua idade), mas que faz você lembrá-lo tanto.

É ficar agoniada quando ele demora mais do que você calculou.

É viajar no ônibus lotado, completamente amassada, tal e qual sardinha, mas com um sorriso sem sentido nos lábios, pensando nele.

É matar sua amiga de inveja, ao receber e-mails obscenos dele, e deixar que ela leia só a primeira parte.

É surpreendê-lo com seu chocolate preferido, colocado estrategicamente em locais para ser encontrado em momentos inesperados.

É telefonar 20 vezes por dia e, a cada vez, ter a sensação de que não falava com ele havia séculos.

É imaginar o dia inteiro o que ele deva estar fazendo.

É receber "torpedinhos" de amor no celular.

É perceber seu olhar de ciúme quando o colega a elogia para ele.

É odiar mortalmente aquela moça que ele comentou que já deu bola par ele uma certa ocasião, mesmo antes de vocês se conhecerem.

É ver os sacrifícios que ele faz e as novidades que inventa só para ver você um pouquinho.

É comemorar o Dia dos Namorados, presenteando, apesar de não ter mais 15 anos, com bichinhos e coraçõezinhos, cartinhas, bilhetinhos., tudo no diminutivo.

É terem sua música romântica e você sempre olhar para ele, de maneira cúmplice, quando ela toca em qualquer lugar.

É olhar pra ele e lembrar de edredom, quando o tempo esfria.
É saber que será sempre sua namorada.

.É escrever sobre o Dia dos Namorados, quando não há absolutamente mais nada o que se escrever sobre esse dia comercial, inventado por alguém muito esperto mas, provavelmente, enamorado.

  • Publicado em: 09/06/2004
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