A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Meu primo Roberto

(Vânia Moreira Diniz)

Hoje enquanto tomava o café, recebi o telefonema de alguém que não via há muito tempo. Meu primo mais velho que fazia brincadeiras comigo enquanto era pequena e quando me chamava de pirralho eu ficava muito zangada. Mais tarde tornou-se meu grande defensor quando saí de casa e estava sempre me procurando, dando seu apoio e mostrando seu carinho e amizade.

Sempre quis ser artista e lembro-me que encenei algumas peças com ele no teatro Ginástico Português. Tinha por mim o carinho peculiar do primo mais velho , protetor e amigo. Ele tornou-se artista de teatro profissional e viaja o ano inteiro com suas peças o que sempre me deu uma saudade muito grade de suas presença.

Hoje passando no aeroporto e tendo que demorar um pouco lá para a manutenção do avião ficou contente porque poderia falar comigo. Quando senti sua voz emocionei-me e as lágrimas quiseram saltar de meus olhos, lembrando-me tanto daquele primo-mais velho mas tão querido.

Na verdade, ele poderia ser meu pai, pela diferença de idade, mas eu sempre gostei de estar com ele e poder conversar quase em igualdade de condições o que seu espírito liberal me permitia.

Ele passou por aqui, o que achou mais fácil e nos abraçamos longo tempo como para recuperar a falta e o tempo perdido. Olhou-me demoradamente com carinho afastando meu rosto e disse:

- Está cada vez mais linda!

- Estou é com uma gripe que espero acabe hoje. Nunca tive uma gripe tão forte e como não gosto de ficar parada tudo isso me deprimiu.

- Não parece que está gripada, prima. Em todo caso vim para vê-la e aproveito para contar-lhe uma novidade. Vou casar-me outra vez.

Sorri sinceramente para esse primo que enfeitara tanto minha infância , implicante mas sempre terno e protetor com os 20 anos que nos separava em idade, o que me fazia sempre pensar nele como alguém especial e experiente.

- Meu Deus, esse é seu 10º casamento. E a Leila?

- Não, minha ciganinha, não é o décimo, apenas o oitavo e quando ele disse ri com vontade lembrando-me seu modo curioso de viver.

E enquanto eu ria muito ele disse, acho que só para aumentar minhas risadas:

- Acho que seu primo já não está fazendo mais diferença de uma para outra, Estou tentando fazer essa experiência.

Enquanto dava boas gargalhadas eu disse que talvez fosse ele que não notasse mais pois estava se tornando uma rotina. Ele sorriu intensamente abraçando-me

-E você querida? Está amando?

- Estou apaixonada, Rob, muito apaixonada, mas a minha paixão é para valer.

-E quem disse que a minha não é? Enquanto durar é.

- Meu primo você não ama, se empolga apenas.

Conversamos então sobre tudo, recordando até uma vez que ele me salvara das ondas num dia de mar bravio que eu insistira em mergulhar e como ele brigara comigo depois que me restabelecera do susto e da água salgada que bebera.

Sentia tristeza de saber que ele iria embora daqui a pouco e ficaríamos talvez um longo tempo se nos ver. Ele perguntou-me quando sairia o meu livro de poemas e expliquei-lhe que houvera alguns transtornos na editora mas em breve ele o teria nas mãos.

Passando a mão em meus cabelos perguntou suavemente

- Não quer escrever a minha história?

- Nunca pensei nisso, primo. Acho que seria interessante. Você tem tido uma vida agitada e cheia de lances ricos, atitudes generosas.

- Então se prepare, ciganinha, tem muita coisa que você não conhece sobre sua própria família e acho que vai se surpreender.

Olhei-o já curiosa, pensando como ia suportar aquela curiosidade e ele me respondeu:

- Foi no ano que você nasceu e você achará muito interessante... Mas não agora. Só quando se resolver escrevê-la. Telefone-me.

E rindo muito enquanto passava num gesto de carinho a mão pelo meu rosto completou:

-Viu ? Não é só você que surpreende sempre com suas fascinantes idéias, não é verdade?

Fiquei olhando para meu primo, pensando como ele ainda tinha o poder de me deixar estupefata com as coisas que dizia. O que seria?

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