Acho que nunca estive preparada para esses dias invernais em pleno verão.
E hoje ao levantar-me com a esperança no olhar e de bem com a vida apesar
dos transtornos que ela costuma nos trazer, ouvi o barulho da chuva que ao embalo
do vento quase batia nas janelas. Ao aproximar-me apreciei pelo vidro os grossos
pingos que caíam transformando o céu, numa faixa branca e tão
brumosa que me deu a sensação que a natureza toda se preparava para
alguma transformação importante.
Via fascinada as árvores vigorosas, as folhas que se balançavam
e as flores que pareciam se alegrar com a água que corria em fios trazendo-lhes
fonte de vida e umedecendo-as. Ao lado disso, lá longe enxergava uma pessoa
que em dia de folga, parecia se regozijar com a liberdade que usufruía.
Recordava-me de crianças brincando, esquecidas de tudo o mais, poças
d'água respingando as pernas nuas e a alegria a traduzir-se no sorriso
espontâneo e indominável.
E muitas vezes enquanto na praia esperávamos a volta do sol, interrompida
por uma chuva de verão, a água do mar se tornava quase instantaneamente
mais aquecida como para compensar essa arte e reação da natureza.
Tudo isso passava na minha cabeça enquanto a chuva caía quase torrencialmente,
trazendo uma nostalgia que me levava a reminiscências ternas e prazerosas.
Quando a paisagem se tornou mais limpa e pude divisar um céu menos carregado,
percebi o quanto a chuva transformara cada um dos elementos que eu admirava e
que eram fontes de energia e símbolo de beleza. E quanto mais olhava mais
admirava, como sempre o planeta maravilhoso.
Repentinamente tudo me entristeceu porque me lembrei de várias ocasiões
em que vira transtornada, o quanto o frio e a tristeza é capaz de desabrigar
famílias e fazer criancinhas sentirem um frio que pode levá-las
à morte.
Sei que a chuva foi feita para irrigar a terra e fazê-la esplendorosa e
saudável, dando aos homens alimentação e fonte de vida e
que a miséria, ao contrário foi construída pela displicência
e incoerência, que pouco a pouco tomou conta do mundo de uma forma alarmante,
transtornando padrões e desintegrando leis de bondade, tolerância
e altruísmo.
Esse dia que amanheceu frio e pálido fez-me pensar em beleza, equilíbrio,
força, fascínio, sonho e amor reconfortante aquecendo um dia sem
sol. Também me recordou o apogeu da paixão, a ventura de momentos
especiais cercados pelo silêncio de um dia chuvoso com o barulho candente
e ritmado que marca seu úmido compasso.
Mas finalizou na tristeza de saber que milhões de pessoas, irmãos
de caminhada, não desfrutam do enlevo de um dia de chuva e o que ele pode
proporcionar de magnético e encantador. Reconheço que em todos os
pormenores da vida os contrastes são avassaladores e nada é pleno
ou transbordante. A chuva... Tantos pensamentos, sentimentos, dores, alegrias,
impotências e a esperança sempre renovada de que as prendas da natureza
possam alcançar todos os seus filhos... Como seria justo, compreensível
e humano.