E meio às comemorações dirigidas a Chico Buarque, maravilhoso
poeta que enche a nossa vida de encanto com suas músicas e sua genialidade
o que é uma glória para nós brasileiros, não posso
já que muitos já falaram essa semana sobre a obra dos nossos deslumbrantes
compositores, deixar de dissertar sobre algo que me enche a alma de emoção.E
esses dias, especialmente porque o nosso Cazuza está sendo homenageado
com um filme de tal porte, ele que além de ser fantástico sofreu
tanto, aproveito para num intervalo contar sobre alguém , uma criança
pequenina excepcional que está sofrendo num hospital e que gosta em sua
ausência do mundo ouvir os cds de Chico, Cazuza e outros fascinantes cantores
da música popular brasileira . Isso faz com que em suas crises ela se acalme
e que um brilho diferente no olhar a traga para dentro de nosso universo mesmo
que seja por segundos.
No dia que nasceu parece que um silêncio complicou seu desenvolvimento e
não se ouviu o choro convulsivo, tão normal e esperado nessa hora
em que o bebê sai do útero quentinho da mãe para a frieza
do nosso planeta. Juli não chorou imediatamente, seu cérebro sofreu
danos e a pequena lourinha, de rosto impressionantemente lindo sofre até
hoje tratamentos e assistência de psicólogos, psiquiatras e fonoaudiólogos.
Nesse momento está numa clínica onde diariamente recebe cuidados
da equipe magnífica que a acompanha. E quantas crianças ali, quantos
seres humanos que sofreram a agressão de diversas carências estão
ali recebendo tratamento e carinho!
O que me fez escrever aqui hoje sobre esse assunto no caso de Juli, é a
influência que a música exerce em seu tratamento e nas horas de angústia,
em que atua como um sublime tranqüilizante.
Ao contemplar aquela menininha, ao sentir a agonia que deve transtorná-la
interiormente, não podendo expressar o que poderia aliviá-la, penso
nas ocasiões em que a música é também para mim uma
força extraordinária. Muito cedo comecei a aprender piano mas depois
passei para o violão hipnotizada por esse instrumento que me faz levá-lo
para qualquer lugar num momento de inspiração, de dor, alegria e
comemoração.
Acabei de chegar da clínica onde vi a pequena Ju numa crise de angústia
em que parece que sua respiração se transtorna, numa muda agonia
transformada em lágrimas e choro convulsivo. Foi aí que mais uma
vez ela se acalmou lentamente ao ouvir as vozes e o ritmo de nossos cantores ,
especialmente nessa semana homenageados.
Tomei-a entre meus braços acompanhada pelo psiquiatra da clínica
, meu fiel amigo e vimos como de outras vezes transtornados de sensibilidade,
quase num milagre a transformação que se operava na garotinha. E
pouco a pouco, seus olhos se abriram, fixando ao longe algo que não sabemos,
e as lágrimas que eu enxugava carinhosamente em seu rosto não voltavam
a correr. Um doce e tímido sorriso abria seus lábios delicados e
fazia com que nossos corações batessem céleres e penhorados.
O anseio de vida e serenidade é tão grande quando presenciamos tal modificação que seria quase impossível transmitir em palavras o que não compreendemos em sentimento.
Só nos resta, apreciando embevecidos essa imagem fantástica de harmonia que a música imprime, agradecer aos nossos compositores, que em momentos de genialidade, amor e inspiração trouxeram até nós a composição que nos transforma em seres realmente humanos, tocados pelo esplendor dessa arte indescritível e envolvente a nos dominar corpo e alma.