A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O Sorriso

(Vânia Moreira Diniz)

Depois de desempenhar um compromisso pela manhã resolvi seguir para uma clínica de assistência a crianças especiais . O diretor e médico responsável, por uma coincidência maravilhosa, é alguém que me conheceu pequena e que era cliente de meu pai. O ambiente é belíssimo, com profissionais que se dedicam de corpo e alma a essa causa. Sinto uma paz deliciosa quando fico no pátio da clínica fazendo minhas reflexões e tendo contato com os pequenos, o que considero um privilégio.

Lá são tratadas crianças e adolescentes que carregam todas as carências desde a síndrome de down passando por uma variedade de outras conhecidas ou não. De qualquer forma um mundo diferente, extraordinariamente encantador já que cada uma daquelas crianças está mesmo inconscientemente à procura de descobertas e percorrendo um caminho nada fácil mas cheio de esperanças e expectativas.

A auto-estima daqueles pequenos é desenvolvida com persistência. Fui procurar a pequena Júlia que faz tratamento ali. Seus olhos azuis estão perdidos numa imensidão tão grande que me pergunto por onde anda e em que universo se detém quando olham através de mim. E, no entanto a percepção da criança para determinadas coisas é muito maior que a minha. Agacho-me em frente a ela, exatamente no lugar que está sentada e seguro suas mãos frias.Tento infundir-lhe o calor que me domina, ao imaginar o quanto Júlia é surpreendente no seu carinho imenso, ternura instintiva, sensibilidade contínua.

A claridade era intensa, o sol iluminava de tal forma o dia que sentia que essa luz intensa parecia energizar-me e eu via isso até no modo relaxado e feliz com que a linda pequena punha seus bracinhos à volta do meu pescoço e me abraçava. Tudo ali era atrativo, quando as crianças se espalharam, brincando, gritando procurando apoio, algumas silenciosas outras chorando, mas todas sem exceção fazendo parte de um planeta que não podia mais excluir seres humanos e que com sua energia e vitalidade, acolhia a quantos chegavam.

Como eu gostava de passar horas ali e tinha convicção absoluta que me fazia um bem enorme, transbordando de paz a minha alma. Como era doce ficar ali!

Foi isso que eu pensei, enquanto via os médicos e assistentes se curvarem para atender às crianças , grande parte delas desenvolvidas pelo tratamento avançado e carinho com que eram tratados.

Samuel, que sempre chamei carinhosamente de Sam, o Diretor da clínica, que há tantos anos eu conheço, que me viu crescer aproximou-se me abraçando enquanto eu lhe dizia:

- Como é lindo ver você aqui, meu amigo! Como é indescritivelmente lindo!

Ele sorriu refletindo no rosto a alegria daquele momento e então lhe falei

- Sam, nunca pensa em você?

- Em mim? Penso todas as vezes que me sinto aqui, rodeado por essas crianças e vejo que o mundo delas aumenta e se desenvolve e podem sorrir de pura felicidade.E fixando-me com seus belos olhos disse-me:

- Lembra do dia em que você era pequena e me viu cair com um ataque epilético e ficou desesperada, pedindo para me ver?

- Sim! Nunca esquecerei esse susto!

-Nesse dia, nessa época resolvi que ia ser um psiquiatra como seu pai e dar assistência a muita gente, como ele me dera.

Contemplei-o aturdida, lembrando daquela época quando eu tinha apenas 9 anos e ele era já um rapaz. Olhamos nesse instante para um mesmo ponto , delirando naquele momento com o sorriso imensamente sincero da pequenina Ju dirigido ao coleguinha que também se desfez em alegria retribuindo o riso incrivelmente aberto e espontâneo.

Olhei então meu amigo de tantos anos, compreendendo tudo que naquele momento ele quisera dizer.


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