Depois de desempenhar um compromisso pela manhã resolvi seguir para uma
clínica de assistência a crianças especiais . O diretor
e médico responsável, por uma coincidência maravilhosa,
é alguém que me conheceu pequena e que era cliente de meu pai.
O ambiente é belíssimo, com profissionais que se dedicam de corpo
e alma a essa causa. Sinto uma paz deliciosa quando fico no pátio da
clínica fazendo minhas reflexões e tendo contato com os pequenos,
o que considero um privilégio.
Lá são tratadas crianças e adolescentes que carregam todas
as carências desde a síndrome de down passando por uma variedade
de outras conhecidas ou não. De qualquer forma um mundo diferente, extraordinariamente
encantador já que cada uma daquelas crianças está mesmo
inconscientemente à procura de descobertas e percorrendo um caminho nada
fácil mas cheio de esperanças e expectativas.
A auto-estima daqueles pequenos é desenvolvida com persistência.
Fui procurar a pequena Júlia que faz tratamento ali. Seus olhos azuis
estão perdidos numa imensidão tão grande que me pergunto
por onde anda e em que universo se detém quando olham através
de mim. E, no entanto a percepção da criança para determinadas
coisas é muito maior que a minha. Agacho-me em frente a ela, exatamente
no lugar que está sentada e seguro suas mãos frias.Tento infundir-lhe
o calor que me domina, ao imaginar o quanto Júlia é surpreendente
no seu carinho imenso, ternura instintiva, sensibilidade contínua.
A claridade era intensa, o sol iluminava de tal forma o dia que sentia que essa
luz intensa parecia energizar-me e eu via isso até no modo relaxado e
feliz com que a linda pequena punha seus bracinhos à volta do meu pescoço
e me abraçava. Tudo ali era atrativo, quando as crianças se espalharam,
brincando, gritando procurando apoio, algumas silenciosas outras chorando, mas
todas sem exceção fazendo parte de um planeta que não podia
mais excluir seres humanos e que com sua energia e vitalidade, acolhia a quantos
chegavam.
Como eu gostava de passar horas ali e tinha convicção absoluta
que me fazia um bem enorme, transbordando de paz a minha alma. Como era doce
ficar ali!
Foi isso que eu pensei, enquanto via os médicos e assistentes se curvarem
para atender às crianças , grande parte delas desenvolvidas pelo
tratamento avançado e carinho com que eram tratados.
Samuel, que sempre chamei carinhosamente de Sam, o Diretor da clínica,
que há tantos anos eu conheço, que me viu crescer aproximou-se
me abraçando enquanto eu lhe dizia:
- Como é lindo ver você aqui, meu amigo! Como é indescritivelmente
lindo!
Ele sorriu refletindo no rosto a alegria daquele momento e então lhe
falei
- Sam, nunca pensa em você?
- Em mim? Penso todas as vezes que me sinto aqui, rodeado por essas crianças
e vejo que o mundo delas aumenta e se desenvolve e podem sorrir de pura felicidade.E
fixando-me com seus belos olhos disse-me:
- Lembra do dia em que você era pequena e me viu cair com um ataque epilético
e ficou desesperada, pedindo para me ver?
- Sim! Nunca esquecerei esse susto!
-Nesse dia, nessa época resolvi que ia ser um psiquiatra como seu pai
e dar assistência a muita gente, como ele me dera.
Contemplei-o aturdida, lembrando daquela época quando eu tinha apenas
9 anos e ele era já um rapaz. Olhamos nesse instante para um mesmo ponto
, delirando naquele momento com o sorriso imensamente sincero da pequenina Ju
dirigido ao coleguinha que também se desfez em alegria retribuindo o
riso incrivelmente aberto e espontâneo.
Olhei então meu amigo de tantos anos, compreendendo tudo que naquele
momento ele quisera dizer.