Que dia é Esse?
(Vânia Moreira Diniz)
Lentamente aproximei-me e a vi em pé na minha sala com o rosto machucado,
olhos inchados e vermelhos formando uma mancha roxa nas pálpebras. Ela
não me olhou e vendo o quanto estava constrangida puxei-a pela mão
e pedi que se sentasse.
Nazaré não se mexeu. Parecia que estava petrificada e algumas
lágrimas molhavam seu rosto embora bonito, devastado pelos maltratos.Era
alguém que eu visitava na periferia da cidade, levando alimentos e remédios
e viera me procurar no desespero.
Havia sido violentada pelo marido, porque simplesmente lhe negara satisfazer-lhe
o instinto animal depois de ter apanhado com violência quase costumeira.Contemplando-a,
um sentimento de dor e desespero apoderou-se de mim e levei-a então,
para o Instituto Médico legal para fazer exame de corpo de delito. E
quem sabe se convencer a separar-se daquele animal em forma de homem que consumia
seus dias.
Depois de uma manhã atribulada enquanto a levava para almoçar,
consegui finalmente que ela dissesse algumas palavras.
- Por que acontece tudo isso? Meus filhos estão na casa da minha irmã
- Onde ela mora?
- Mais longe do que eu. Pelo menos tem uma casinha própria.
- A escola é perto?
- Por sorte sim.Um grupo escolar.
- Nazaré, que pretende fazer agora? Tem alguma idéia? Creio que
já percebeu que terá que tomar alguma decisão!
Meu coração estava muito apertado e se confrangeu mais ainda
ao ver as lágrimas que voltavam a cair pelo seu rosto machucado. Eu tentava
não chorar para não aumentar a sua agonia e foi aí que
me comovi mais ainda quando ela me disse:
- Vim lhe procurar porque tem nos ajudado muito, e porque eu não tinha
outro jeito. Mas estou morrendo de vergonha! Como vou criar meus filhos sem
a ajuda dele, só fazendo faxinas, e nem todo dia?
- Claro que deve me procurar todas as vezes que precisar.Quanto a criar seus
filhos, mesmo de longe, ele terá que ajudar e me parece que você
sustenta mais a situação do que ele, não? Ele vende suas
coisas, bebe, e é violento. Como pensa continuar assim?
Acho que uma das maiores dores do mundo é ver alguém sofrer,
olhar para um rosto, cujos traços revelam que são belos e que
foram consumidos pelo sofrimento prematuro, como era o caso de Nazaré.
Enquanto a levava em casa e passava por um supermercado para comprar comida,
já que sua irmã era muito pobre, ela me disse:
- Vou pensar uns dias no que fazer. E enquanto ouvia alguém perto conversar
sobre o Dia Internacional da Mulher, ela ficou concentrada no que diziam, até
que me fixando pela primeira vez perguntou com uma inocência digna de
comover o mais frio interlocutor:
- Não entendi. Que dia é esse? Existe dia da mulher? Que dia
é esse?
Dessa vez foi difícil controlar as lágrimas enquanto eu evitava
falar para que minha garganta pudesse engolir os soluços.