A noite está quente e acolhedora. Tudo à minha volta parece um
mistério, quando a madrugada vai chegando e temos direito de recordar,
pensar, rir ou chorar sem as preocupações que a luz do dia impede.
E fico aqui, sem vontade de mais nada a não ser olhar as estrelas que
aparecem radiantes e uma vontade infantil de segurá-las e trocar confidências.
Talvez isso seja uma regressão do espírito e procuro deixar que
meus pensamentos prossigam sem a minha interferência.
O telefone toca e interrompe minhas reflexões, mas não imagino
qual colega notívago estaria precisando conversar a essa hora e no entanto
uma reminiscência antiga chega até meu coração.
Quando atendo ouço uma voz conhecida e reconfortante de uma amiga de
infância que eu imaginava muito longe. E isso me anima, faz com que recordemos
primeiro o som de nossas próprias vozes, curtindo um momento especial,
daqueles que fazem com que a vida não seja tão árida.
Recordo a doce Luiza, minha companheira preferida, de estudos, confidências,
passeios e divertimentos e nossas risadas alegres em muitos momentos de companheirismo.No
entanto, sinto suas lágrimas através do telefone, as pausas eloqüentes
e obrigatórias na emoção, o som tenso da voz e a incerteza
com que discorre as palavras.
Pergunto, apavorada o que faz com que esteja tão angustiada, ela, a mais
alegre de todas as pessoas que conheci. De repente vejo que suas palavras estão
impregnadas de sensibilidade, mas não de tristeza. E então diz
sem conseguir conter a urgência:
-É você, Ciganinha?
-Claro, sou eu.O que houve?
-Renato, meu irmão, lembra?
-Como poderia esquecer o meu amigo de infância?
-Sabia que ele tinha desaparecido?
-Sim, Luiza, mas me diga logo, estou ficando aflita.
-Ele apareceu ontem, Ciganinha, há anos sumira, sem deixar vestígios.
-Meu coração se alegrou ao lembrar o colega de estudos e folguedos,
que há muito saíra do convívio dos amigos e da família.
Todos pensavam que ele tinha morrido. Mas na verdade ele tinha vivido.
Luiza ainda estava bastante surpresa e feliz, mas com ternura disse:
-Chegou da Índia, Ciganinha, com idéias fabulosas, não
é mais aquele menino agressivo, é um homem cheio de fascínio,
escreveu muitos livros e aprendeu coisas magníficas.Se você olhar
para ele não o conhecerá.
E então compreendi que as estrelas realmente queriam me contar algo nessa
madrugada silenciosa e que eu breve poderia abraçar meus dois amigos
de infância, ambos tão longe há um longo tempo e que tinham
caminhado comigo durante toda a infância.
E quando olhei para o céu já não conseguia enxergar a minha
estrela. Ela tinha desaparecido. Já tinha dado o seu recado.