Realmente é muito difícil lembrar as sensações de
alegria com exatidão. Não sei porque elas não guardam na
memória a mesma intensidade. O mesmo valor intrínseco das tristezas,
das decepções ou da saudade.
Recordo-me, no entanto de um fato passado na minha infância que me marcou
tão profundamente que jamais esquecerei. Ainda hoje sinto a mesma sensação
como se os anos tivessem regredido e eu me encontrasse naquele dia especial.
Era muito pequena e tive um pesadelo estranho. Via em meu sonho meu pai deitado
fechando os olhos enquanto todos choravam em volta dele. Creio que o que sentia
durante aqueles momentos era um efeito de angústia demasiada para uma criancinha.
Minha impressão era de desamparo e apesar de tantos e tantos anos passados
ainda recordo e praticamente sinto aquele sofrimento indescritível.
Acordei então com alguém segurando meu braço e passando a
mão em meus cabelos numa impressão indefinível de conforto
e ao acordar deparo com os enormes olhos azuis de meu pai fitando-me enquanto
dizia:
-Acorde. Você sonhou!
Olhei-o estupefata sem compreender o que estava acontecendo, mas num delírio
de felicidade que não podia controlar. Lembro-me bem disso. E chorando
de pura alegria abraçava meu pai perguntando-lhe se ele estava vivo.
Jamais esquecerei sua expressão e a alegria que parecia não caber
dentro do meu peito. Senti que a vida era boa e deixei que as lágrimas
descessem já nem me importando o que estava acontecendo ao meu redor sem
saber se estava rindo ou chorando.
Meu pai sentou-se em minha cama e explicou que eram comuns essas imagens no sono
profundo dependendo do que se vira ou ouvira durante o dia. Mas recordo-me que
embora estivesse compreendendo o que ele falava o que importava naquele momento
era a musicalidade de sua voz grave e forte. E sua presença. Isso eu tinha
consciência.
Senti uma sensação de júbilo que só depois de passados
muitos anos soube definir e que no momento a nada se comparava. Olhava-o com a
sensação de segurança que só sua presença podia
me dar naquele momento esquecida que estava aos gritos momentos antes e talvez
nem me lembrasse mais disso.
Sempre ao encarar a vida e receber uma notícia ruim ou dolorosa me vem
á cabeça essa cena e tenho a esperança que a tristeza depressa
se desfará e a felicidade voltará a brilhar com intensidade. É
algo muito forte e incompreensível. Mas posso assegurar que gostaria de
poder sempre sentir aquela impressão de enorme ventura que um dia na minha
infância encheu a minha noite de ternura e da certeza que Deus não
nos abandona nas piores horas.
Claro que isso acontece na vida de todos nós. Só precisamos fazer
disso algo que nos ensine a transformar fatos corriqueiros, porém intensos
momentaneamente em uma experiência enriquecedora.
Muitas vezes não mais houve a presença apaziguadora de um fato positivo
quando eu estava sofrendo, mas a recordação daquele dia valeu por
toda uma vida pela percepção de uma alegria sem limites e inesperadamente
salvadora.
Ela valeu para me mostrar nos primeiros anos de minha vida, sem, no entanto saber
definir, que a vida é feita de contrastes e não existe sol sem chuva,
na existência. Eu não entendera a lição naquele dia,
mas valeria para que nos anos vindouros eu percebesse o valor da alegria legítima
e profunda. E entendesse isso de uma maneira abrangente e peculiar.