Primeira Parte
Recomeçar é sempre difícil. Difícil, extenuante
e por vezes mexe com nossa auto-estima. Estou falando do intelectual e do literário.
Muitas vezes olhamos tudo que empreendemos para trás, um mundo que construímos
com sacrifício, valor persistência e garra. E de repente vemos
que àquela altura devemos recomeçar.
Não sei quantos pessoas vemos recomeçar em vários campos
da vida. Porque não recomeçarmos sempre literariamente falando?
Sei que enquanto apenas os elogios nos habitarem e nos acomodarmos estagnaremos
cruelmente. E não há nada pior do que o morno da vida, a falta
de vibração e entusiasmo em nome de algo que já conseguimos.
. Estava recordando justamente, uma conversa que tivera com meu pai muitos anos
atrás. Durante o jantar eu vira os mais velhos comentando sobre a necessidade
de um profissional ultrapassar sempre, estudar cada vez mais e ir galgando com
a experiência e o estudo patamares realmente adequados.
Pouco depois entendi que se tratava de um médico, um dos mais famosos
do Rio de Janeiro. Perguntei a meu pai a razão do comentário e
ele me disse algo que jamais esquecerei.
- Minha filha, nunca estaremos evoluídos o suficiente se pensarmos que
já sabemos tudo. Temos sempre até o fim da vida algo a aprendermos.
Só aproveitamos 10% de nosso cérebro e do que poderíamos
utilizá-lo. Mas o que mais pode fazer-nos retroceder é a certeza
que já sabemos tudo.
Durante alguns dias tenho pensado nisso e nessa certeza importantíssima
de nossas vidas. Viajo no tempo, caminho, ando por lugares desconhecidos, fazemos
de tudo, mas jamais teremos a mesma vibração se resolvermos parar
em novos conhecimentos e experiências em nome de que já estamos
prontos. Jamais estaremos prontos. Nunca! Em momento algum ou é melhor
morrermos de uma vez.
A vida é um eterno e fascinante aprendizado, mas quero crer que aquele
orgulho ali escondido em nossas mentes nos faz ter essa idéia de realização
completa. Não estarei realizada nunca, e buscarei sempre novos rumos
cujos horizontes sejam realmente reservas de esperanças, valor, qualidade
e verdade.
Contemplo tudo que já fiz na minha vida, releio os meus escritos, tento
entender muitos pensamentos ali registrados, sinto-me por vezes como se estivesse
enunciando aqueles preceitos e a conclusão que aparece ante meus olhos
é de recomeço.
Recomeço não para anular tudo que fiz, mas para reavaliar imprimir
mais qualidade, sensações ainda mais profundas de afetividade
e de ternura, e continuar sempre com respeito aos semelhantes, mais percepção,
discernimento, uma inspiração progressiva e potencialidades aperfeiçoadas.
Segunda parte
Falei do recomeço literário e intelectual, mas agora é
de um recomeço ainda mais profundo que volto a falar. Recomeço
de esperanças de alegrias, de atitudes, de sensações e
de vida propriamente dita. Aquele instante que olhamos para dentro de nós
mesmos e não compreendemos porque prosseguimos nos mesmos passos e com
o mesmo ritmo.
Esse é o momento mais difícil em que precisamos nos conscientizar,
olhar para frente e entender, o quanto precisamos reformular modos de vida e
conceitos em relação ao hoje e ao amanhã.E compreender
o que passa dentro de nós mesmos, superando os pequenos instantes de
indecisão.
Nesse momento olho para dias passados e não consigo ou não quero
recordar o ontem que chamuscou, mas deu vida, escureceu iluminando e fez com
que minha alma estivesse sempre em ritmo de alucinante movimento, mas eram dias
esparsos, em que procurava apesar dos tropeços harmonizar a caminhada
e procurar o equilíbrio.
Agora, nesse exato momento ando por caminhos misteriosos e me dou o direito
de pela primeira vez dizer um não, de pensar no que constitui para mim
a essência da vida e de encarar um instante de egoísmo com a mesma
isenção com que enfrentei e disse sim a muitos acontecimentos
difíceis e que pareciam intransponíveis.
Nessa progressiva regressão de pensamentos, fecho os olhos da alma e
embarco profundamente, esquecida de quem sou e como vim, de que forma estou
agora, dissecando meu eu interior e procurando entender o mundo em geral e as
pessoas que o habitam.
E faço um retrospecto que não deixa de ser fascinante analisado
sob certos prismas incertos e pontiagudos. Quando depois de muito tempo abro
finalmente os olhos eu me vejo em volta com outra civilização
e os sentimentos parecem ser mais profundos em brusca de uma solução
comum.
Tudo que quero nesse momento é voltar à minha reflexão
e tirar elementos que ainda não foram cultivadas, talvez nem mesmo plantadas
para que resultem na seiva com a qual pretendo me agasalhar.
O recomeço é a única forma de fortaleza que se encontra
disponível quando o planeta parece um oásis de violências,
incompreensões, egoísmos , pobrezas e até a ameaça
contundente de uma fria e dolorosa guerra. Ele faz com que as pessoas reavaliem
tudo que está aí e opte pela esperança, nobreza, solidariedade
e qualidade de vida, Percorrendo cada dia com mais intensidade e menos descaso.
Com menos desprezo e mais amor, com vibração e sem indiferença.
Recomeço daqui as minhas reavaliações para chegar a um
consenso pessoal que espero, seja uma das formas de compreensão mais
apurada de mim mesma e dos que me rodeiam. E possa entender, vibrar e sentir
que a reformulação iniciou seu processo abrangente e eficaz na
procura de um mundo e de sentimentos mais amenos, partindo do nada e caminhando
para um leque que se abrirá em esperanças e realizações.
Minha alma esperou até agora. E já ansiosa parte para essa nova
experiência com a vontade férrea que propiciará novos dias
de contradições, talvez, porém e certamente de um mundo
mais perceptível, valoroso e transbordante de verdades saudáveis
e flexíveis.
Resta-me apenas saber se é possível iniciar. E de que maneira.