"A literatura se forja é na palavra, instrumento
de expressão singularíssima do ser, ampliada no contexto cultural,
político, social e econômico em que o homem se revela, porque sem
o homem, a literatura seria somente Deus."
(PAULO GARCEZ DE SENA, em 04.08.1983)
Conheci o José Alcides Pinto, literariamente, na década de 1970,
através do poeta, escritor e compositor baiano Paulo Garcez de Sena.
O Paulo Garcez de Sena já era amigo do Caetano Veloso e também
seu ilustre vizinho no bairro intelectual do Nazaré, localizado em Salvador/BAHIA,
por sinal o mesmo bairro em que eu nasci. Antes mesmo do final da década
de 1960 o Paulo Garcez de Sena já conhecia o Caetano que tinha vindo
de Santo Amaro da Purificação/BA para estudar Filosofia na Universidade
Federal da Bahia-UFBA, ficaram cúmplices e amigos através da poesia
e logo pela música, cada qual tomando o seu rumo individualizado anos
depois. O Paulo Garcez escreveu um poema intitulado "Bilhete para o
Caetano Veloso", depois compôs para o mesmo a música "Flor
do Lácio", cantando-a freqüentemente para mim com a sua
voz rouquenha e grave, às vezes sozinho, das outras vezes acompanhado
pelo nosso amigo comum, Walmir Rocha Palma, Bobe, ao violão.
Quanto ao poeta e intelectual Paulo Garcez de Sena, nascido em 05 de julho de
1942 ou em 1943 em Salvador-Bahia, nos conhecemos através das páginas
literárias dos jornais da cidade, a exemplo de A TARDE, JORNAL DA BAHIA,
DIÁRIO DE NOTÍCIAS etc., no final da década de 1960, quando
nos reunimos logo depois na mesma plêiade de novos poetas que estreavam
os seus primeiros versos na saudosa página cultural "OS JOVENS PEDEM
PASSAGEM", do hoje extinto e ora perseguido JORNAL DA BAHIA, considerado
naquela época o próprio baluarte da "imprensa marrom",
por combater abertamente o regime militar. Não éramos comunistas,
nunca fomos, éramos livres pensadores, românticos, abusados e considerados
intoleráveis e intragáveis pela crítica burguesa oficializada
justamente por sermos poetas e não aceitarmos imposições
e/ou críticas de quaisquer naturezas. Mas não éramos chatos...
o Paulo Garcez de Sena sempre dizia que: "chato é aquele bichinho
que dá nos culhões!"
Foram revelados excelentes poetas e poetisas naquela época, entre 1968
até 1978: ALMA'ndrade, Antônio José Moura, Paulo Garcez
de Sena, Nailson Chaves, João Augusto de Oliveira Pinto, Paulo Roberto
de Souza, Carlos Pita, Ivan Dórea Soares, Eisenhower Souza Correia, Tadeu
Bahia, Gracinha Salles, Paulo Roberto de Souza, Dirceu Régis, Quaresma,
ainda o Geraldo Pita, Abinael Moraes Leal, Derval Gramacho, Antônio Short,
Douglas Almeida, Fernando Antônio Pinto, Coubert São Paulo, Luiz
Fernando Dórea Hupsel de Oliveira, Mônica Farias, Maíra
Pondé de Sena, José Antônio C. Cajazeira, Jorge Portugal,
Francisco J. Bina, Ametista Nunes, Wellington Ribeiro, Geraldo Vasconcelos de
Jesus, Pedro Braga Filho, Luiz Garcez de Sena e Pedro Augusto Garcez de Sena,
estes últimos irmãos do poeta Paulo Garcez e Sena, Luiz Ademir
Souza, Mabel Velloso, José Eduardo Tannure, Mário Carvalho Jr.,
Valter Demétrio, Ruy Fernando Salles, Helson Ramos, Roberto Marinho dos
Santos, entre outros. Todavia, por ser um pouco mais velho que todos nós,
andar sempre com a cabeleira imensa e romântica totalmente despenteada,
a barba tostoiana sempre por fazer e com o espírito sempre explodindo
em versos loucos e maravilhosos, o Paulo Garcez de Sena se destacava sempre
dos demais pelo seu gênio e ímpeto arrebatadores.
O Paulo Garcez de Sena nunca conseguiu publicar um livro na Bahia, nem em vida
nem depois de morto, embora fosse o local que mais amava desbragadamente. De
nada adiantaram as suas ardentes e doentias peregrinações aos
órgãos estaduais de cultura da Bahia, à cata de patrocinadores,
para publicação dos seus contos, ensaios literários ou
livros de versos. O poder oficial dito intelectualizado da Bahia de então
sempre lhe negou - e até hoje nega - publicar os seus trabalhos literários,
musicais e poéticos. A única ressalva que dou neste sentido é
em favor da escritora baiana Myrian Fraga que até hoje luta em prol deste
digno objetivo, reforçada pelos insistentes pedidos do irmão gêmeo
do Paulo Garcez de Sena, o incansável Pedro Augusto Garcez de Sena, o
querido "Papai Noel" de todos os Natais do Shopping Piedade, na Bahia!
Quanto ao Paulo Garcez de Sena, enquanto vivo, mesmo trabalhando na então
Fundação Cultural do Estado da Bahia, nem mesmo assim não
conseguiu ver os seus trabalhos em letra de forma.
Amargurado com a Bahia e com os baianos, só conseguiu ser publicado na
sua terra através da Antologia Poética 'OS JOVENS PEDEM PASSAGEM',
lançada em um dia de sábado às 09.00 horas da manhã,
na redação do ex-JORNAL DA BAHIA, em 06 de abril de 1974. Foi
prefaciada pelo nosso amigo comum, Jorge Amado. Por ser uma publicação
patrocinada pelo ex-DESC, antigo órgão cultural ligado ao Governo
do Estado da Bahia daquela época, ainda respirando os ranços da
Ditadura, tivemos quase 70% dos nossos textos censurados, mesmo assim, os 30%
por cento que foram publicados fizeram-nos história! Fizemo-nos conhecidos
naquela época medieval para a literatura, as artes plásticas,
a música e principalmente para a poesia!
Ainda nesta mesma época o Antônio Loureiro de Souza, jornalista,
professor e intelectual baiano, nascido em 13 de junho de 1913 e falecido no
final de abril de 1989, pertencente à Academia de Letras da Bahia onde
ocupava a cadeira n.o 27, onde sucedeu ao professor Jayme Junqueira Aires, ainda
em 1974 publicou um artigo de destaque no jornal A TARDE, enaltecendo a poesia
dos novos poetas baianos, que guardo até hoje no meio dos meus alfarrábios
antigos, de onde transcrevo um pequeno trecho, onde o Antônio Loureiro
de Souza assim se expressa:
"De um deles - Paulo Garcez de Sena - já falei mais longamente,
analisando-lhe a poesia espontânea, clara, vibrante, onde se mesclam,
às vezes, desejo e angústia, bondade e paixão irrevelada...
E quem sabe? Como nos mistérios maçônicos, os hoje aprendizes
poderão ser, no futuro, os mestres que orientarão os jovens dedos
que surjam, nesse processo inelutável da vida no seu eterno desdobramento."
Recordo ainda do "Grupo MONOPO - Movimento dos Novos Poetas", criado
no ano de 1973 em Salvador - Bahia, que promoveu num dia de domingo, exatamente
em 07 de abril de 1974, a exposição, divulgação
e a venda dos exemplares da nossa antologia OS JOVENS PEDEM PASSAGEM na "Feira
da Poesia", acontecida na Praça da Piedade, na barraca do "Grêmio
Brasileiro dos Trovadores", ao preço módico de Cr$ 10,00
(dez cruzeiros). O MONOPO tinha publicado até aquela ocasião,
os livros: LAVAGEM CEREBRAL, do Valter Demétrio, SANGUE AZUL do Helson
Ramos e ESTRELAS DO MEU CAMINHO do Dirceu Régis. Eles editavam também
a REVISTA MONOPO, vendida a Cr$ 2,00 (dois cruzeiros). Este grupo tinha o objetivo
de dar apoio aos poetas emergentes, divulgando os seus trabalhos literários
e acima de tudo dando forças a quaisquer movimentos que surgissem na
área da poesia, objetivando acabar com as "igrejinhas culturais"
fudidas onde abundavam e deambulavam poetas medíocres e obscuros que
eram acobertados pelo então governo ditatorial do estado da Bahia.
Sobre o Paulo Garcez de Sena, o mesmo foi também foi publicado no Ceará,
no ano de 1977, através do livro intitulado "QUEDA DE BRAÇO
- UMA ANTOLOGIA DO CONTO MARGINAL", organizada pelo Nilto Maciel e Glauco
Mattoso, que foi um grande sucesso nacional naquela época, sendo o Paulo
Garcez de Sena o único baiano a participar daquela Antologia. Ao Nilto
Maciel é dedicado este trabalho, extensivo ao Glauco Mattoso e José
Alcides Pinto porque foi esta tríade de poetas do Ceará, juntamente
com os demais componentes de O SACO, na década de 1980, que conseguiram
trazer um pouco de luz e felicidade ao espírito cansado do velho e querido
guerreiro, inesquecível amigo e poeta, Paulo Garcez de Sena.
Retornando aos idos da década de 1960, prelúdio futurístico
do que viria a ser a década iluminada de 1970, imerso naquele caleidoscópio
cultural de então, respirando as loas do Tropicalismo ora nascente na
loucura maravilhosamente lúcida do Tonzé, Capinan, Torquato Neto,
Gil e Caetano, seguíamos adiante com a nossa teimosia poética,
rompendo cânones, desrespeitando a ordem pré-estabelecida, buscando
atingir novas metas para as nossas inspirações românticas
e incendiárias. O Glauber Rocha vociferava no fazer cinema, querendo
ser mais macho que o meu tio Alexandre Robatto Filho, o verdadeiro criador do
Cinema na Bahia! Enquanto o Glauber Rocha urrava, o meu tio Alexandre Robatto
sorria; quando no início da década de 1960 era lançado
o Barravento, do Glauber, nós sorríamos dele ao assistirmos a
película do meu tio Robatto "Entre o Mar e o Tendal", lançado
nos anos 1950 que era tal e qual!
O Glauber Rocha lançou o seu filme Barravento no 28 de maio de 1962,
numa avant-première acontecida no Cine Capri, uma das melhores salas
de cinema localizada no centro da cidade do Salvador. Logo em seguida também
o lançou no Cine Jandaia, situado em pleno coração comercial
da Baixa dos Sapateiros, que naquela época tinha a capacidade para abrigar
até 2.200 pessoas. Todavia, o lançamento oficial de Barravento
foi de fato no Cine Capri, considerado cinema de alto luxo, lembrando as salas
cinematográficas de Nápoles, na Itália, sendo o jovem cineasta
aplaudido entusiasticamente de pé ao acabar a seção. Controvertido
e irreverente segundo a crítica, antipático para muitos, subversivo
e anarquista para a Ditadura Militar de então, para mim que o conheci
também de perto, o achava muito bossal e, sobretudo, muito mal agradecido
e mal educado.
Alguém do meio cinéfilo na Bahia já imaginou se o filme
Barravento fosse todo rodado e finalizado pelo Luiz Paulino dos Santos? Aconteceu
todo aquele arrazoado na época enfocando a ciumeira do Glauber Rocha
pelo fato do Luiz Paulino estar namorando a Sônia Pereira. Com tanta mulher
bonita na Bahia, os corações dos dois direcionaram-se numa só
paixão. O Luiz Paulo ganhou a mulher e perdeu o filme. O Glauber Rocha
ganhou o filme e perdeu o amigo. Acredito que o cinema na Bahia perdeu muito
com a demissão do Luiz Paulino dos Santos à frente do Barravento,
ele que era o seu diretor bem como autor do roteiro original da obra. No meu
entender, creio que o Luiz Paulino dos Santos acomodou-se naquela ocasião,
faltou-lhe fibra e coragem para a luta. Ele simplesmente desapareceu de cena,
sem reagir à altura aos ataques histéricos e conhecidos faniquitos
do Glauber Rocha. Não devemos nunca esmorecer. O Luiz Paulino dos Santos
teve tempo bastante para reagir e tornar-se um verdadeiro baluarte do Cinema
na Bahia e no Brasil. A simples aceitação da demissão do
cast do Barravento, de maneira silenciosa e sem reação,
ofuscou o brilho do efetivo sucesso que o aguardava no futuro próximo
- que ele não conseguiu mais alcançar.
Ainda mais naquele período de gestação do que viria a ser
conhecido como Cinema Novo, quando o Glauber Rocha ainda engatinhava
e aprendia a fazer aquilo que ele próprio chamava de "cenema",
enquanto o meu tio Alexandre Robatto Filho, com toda a sua paciência,
cultura e sabedoria, já estava próximo das suas aposentadorias
de cineasta, professor universitário, cirurgião dentista, artista
plástico e romancista nas ruas românticas e enladeiradas da Bahia,
passando os seus finais de semanas em papos descontraídos e amigáveis
com os casais Zélia e Jorge Amado, Lia e Sílvio Robatto, Tadeu
Bahia e Bethina Robatto com as suas pinturas maravilhosas, sempre na companhia
da minha tia Stela Robatto, às vezes do Carybé e do Carlinhos
Bastos. Quem não tinha hora para chegar era o Mário Cravo Jr.,
aparecia a qualquer hora e a qualquer dia da semana, com o seu bigode ancestral
e bonito, na casa de praia do meu tio Alexandre Robatto, localizada no bairro
ensolarado da Pituba, em Salvador, onde tinha um "Galo Vermelho" de
ferro na entrada, criado pelo próprio Mário Cravo Jr.. Enquanto
isso o Glauber Rocha se danava e meu tio Robatto o abençoava com o seu
sorriso manso e pacífico de sabedoria.
Assim era a Bahia intelectualizada de então, que travava um embate cultural
renhido entre os novos poetas, compositores e escritores que se lançavam
num pretenso e duvidoso estrelado, combatendo e ao mesmo tempo absorvendo os
conceitos arraigados de uma cultura sobejamente rica e diversificada, composta
por nomes notáveis de grande saber na área do romance, da poesia,
das artes plásticas, do cinema, da pesquisa histórica, da escultura,
da arqueologia, da fotografia, da música e da dança em terras
baianas, onde encontrávamos os nomes notáveis de Alexandre Robatto
Filho, Hélio Simões, Consuelo Pondé de Sena, Luís
Viana Filho, Mário Cravo Jr., Genaro de Carvalho e os seus tapetes maravilhosos,
o indefectível Carybé, Carlinhos Bastos, Carlos Eduardo da Rocha,
Sílvio Robatto, Antônio Pitanga, Mirabeau Sampaio, Hildegardes
Viana, Jorge Amado, Lia Robatto, João Carlos Teixeira Gomes e mais outros
notáveis que citarei mais adiante.
Faço o especial e merecido destaque à querida prima Sônia
Robatto com a sua "SOCIEDADE TEATRO DOS NOVOS", composta por Othon
Bastos, Carlos Petrovich, Echio Reis, Thereza Sá, Carmen Bittencourt
que liderados pelo professor João Augusto criaram o TEATRO VILA VELHA
no ano de 1964, que foi inaugurado com o espetáculo musical 'NÓS
POR EXEMPLO" composto pelos iniciantes e até então desconhecidos:
Antônio José Santana Martins, o Tom Zé, aquele louco maravilhoso
que até hoje manda a gente "tomar no fiofó!"";
Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, (o Caetano ainda escrevia o Veloso com
dois "ll"s!); Maria da Graça Costa Penna Burgos; Maria Bethânia
Vianna Telles Velloso e Gilberto Passos Gil Moreira. Lembro que em certa tarde
de sábado, quando estava com a minha amada e querida Lala Velloso, na
sua residência barroca no bairro do Tororó, em Salvador - Bahia,
a sua mãe Mabel Velloso me falou que "... o único que
tinha dado certo na família tinha sido o Caetano, que escrevia Veloso
com um "l" só!"
Tivemos também como expoentes daquela época o Jair Gramacho, Valentim
Calderon de La Vara, Gumercindo Rocha Dórea,
José Carlos Capinan (cunhado do poeta e historiador Gilfrancisco dos
Santos), Myrian Fraga, Thales de Azevedo, Germano Machado, Guido Guerra, o compositor
e amigo Fernando Lona, Maria da Conceição Paranhos, Fernando da
Rocha Peres, Bule-Bule, Clarindo Silva, Gilfrancisco dos Santos, Derval Gramacho,
Benvindo Cerqueira, Calazans Neto, Nilda Spencer, Maria Sampaio, Cláudio
Veiga, o querido maestro Carlos Lacerda, esposo da colega e amiga Irany Lacerda,
o qual algumas vezes ensaiou o amigo Carlos Pita, na antiga TV Itapoan - Canal
5, quando recém chegado de Feira de Santana, deu impulso na sua carreira
musical em Salvador - Bahia, ao participar de Festivais da Canção
daquele canal televisivo, logrando o 1º. Lugar com a música "O
TROPEIRO", da autoria do nosso amigo comum o poeta ameliense Fernando Antônio
Pinto da Silva.
Seguem-se ainda o arqueólogo, poeta e historiador Ivan Dórea Soares,
o seu irmão Walter Soares, o poeta e escritor Ramos Feirense, Outran
Borges, Dival da Silva Pitombo, este último velho amigo da minha mãe
Ana Bahia Menezes desde os tempos adolescentes; João Ubaldo Ribeiro,
Manoel Christo Planzo, Edvaldo Boaventura, Godofredo Filho, Nilton Macedo Campos,
Clóvis Amorim, entre outros tantos que a memória agora não
recorda! Na área da animação musical, festivais de rock
na Bahia, quem não se recorda da figura simpática, comunicativa
e sempre alegre do velho amigo roqueiro Waldir Serrão, cognominado Big
Ben, que animava e iluminava as tardes do antigo Cine Roma, em Salvador,
na companhia do antigo grupo de rock Raulzito e Seus Panteras, naquela
época liderado pelo ainda desconhecido Raul Seixas?
O Paulo Garcez de Sena andava comigo no meio destes intelectuais acima citados,
em conversas e colóquios animados, mesclados com douta sabedoria literária,
cinematográfica, poética e musical, foi ainda o fundador do grupo
"AREMBEPE", tocando em inúmeros barzinhos e portas de inferninhos
nas noites e madrugadas soteropolitanas. O Paulo Garcez de Sena tinha um profundo
saber e conhecimentos nas áreas das artes plásticas e da dança.
Falar nisso, o artista plástico argentino, depois naturalizado baiano,
o Carybé, era nossa companhia constante nas noitadas de sextas-feiras
e sábados no "Mercado das Sete Portas", em Salvador/Bahia,
onde entretidos com as putas e garrafas de cervejas falávamos de desenhos,
pinturas, quadros etc. que eram misturados a goles de conhaque barato ou da
mais pura cachaça naquelas noites monumentais e febris, nunca esquecidas,
alisando as coxas e pernas das putas de uma maneira romântica, sensual
e querida.
Sob estado etílico público e notório, o que comumente conhecemos
por embriagado, o poeta Paulo Garcez de Sena com um cigarro barato nos
lábios, "cerrado" dos amigos ou comprado fiado nas barracas
nauseabundas do Mercado das Sete Portas, empunhava com maestria a sua caneta
Bic e compunha versos desconcertantes, loucos e totalmente absurdos sob as luzes
da lógica e os punha vivos e palpitantes nas folhas de papéis
de embrulhos encontrados atõa por cima das mesas umedecidas de cachaça
barata, sonhos, suor e poesias. Apresentamos a seguir uma destas peças
desconexas e sem título a guisa de exemplo, mostrando o estado de ambivalência
e desconexão patológica existentes no cérebro febril do
poeta Paulo Garcez de Sena, que misturando comprimidos de "Valiun 10"
aos goles suicidas de conhaque vagabundo, escrevia eloqüentes peças
literárias como esta:
"Se a dor chegar
Abra a porta devagar
Dê um tiro no revolver
E beba conhaque até morrer
Quando o dia amanhecia, eu me dirigia para a pequena cidade de Amélia
Rodrigues e lá encontrava o escritor Clóvis Amorim, com a sua
cabeleira poeticamente esbranquiçada pela vasta sabedoria literária.
O Clóvis escrevia a sua elegia poética e romanesca às antigas
usinas de cana de Santo Amaro da Purificação, algumas já
pertencentes ao recém criado município de Amélia Rodrigues,
(antiga Lapa, ex-Villa de Traripe), com os seus velhos costumes e tradições.
A criação do então município de Amélia Rodrigues,
no Recôncavo da Bahia, deu-se em razão da luta incansável
do idealista e advogado Dr. Gervásio Mattos Dias Bacelar, fidelíssimo
conselheiro e amigo que conseguiu levá-la a bom termo. Na época
da Ditadura Militar o acusavam de "comunista". Para uma época
de cultura escassa na antiga Lapa, hoje Amélia Rodrigues, por certo aqueles
analfabetos políticos queriam dizer que o Dr. Gervásio Bacelar
era sim, um HUMANISTA!
Quanto ao Clóvis Amorim, sempre o encontrava religiosamente sentado às
17.30 horas, na porta da casa do Hugo Amorim (antigo Vereador de Amélia
Rodrigues), a contar casos picantes inventados na hora, ou mesmo as suas mentiras
engraçadas que eram tiradas dos seus romances, e assim, misturando personagens
fictícias dos seus livros às personagens da vida real, o Clóvis
Amorim criava aquele universo mágico espetacular que fez a escola romântica
de literatura na Bahia, da qual também participava o Jorge Amado, de
quem também era amigo e querido personagem vivo dos seus livros. Na companhia
saudosa do Toninho do Pinum e da Da. Nina Amorim, eu curtia feliz aqueles momentos
vespertinos de rara cultura e saber.
Enquanto todo este caldo intelectual fervilhava nas ruas e ladeiras centenárias
de Salvador e nas pequenas cidades do interior da Bahia, a imaginação
do Paulo Garcez de Sena transbordava-se em rimas, em amores tardios, em traições
poéticas e romanescas, em noites perdidas a fio escrevendo versos à
namorada mais nova: Ana Verena, depois à Angélica, em seguida
à Ana Virgínia ou mesmo à Iracema Villalba! Perdi inúmeras
noites na companhia da poetisa Mônica Farias na beira da cama do poeta
Paulo Garcez de Sena, na Rua Inácio Tosta 31, Bairro de Nazaré
- Salvador - Bahia implorando, tentando demover pela milésima vez ao
Paulo Garcez de Sena para que ele não praticasse o suicídio.
Falávamos com ele que apesar de ser do conhecimento público e
notório que um poeta sempre morre de amores inúmeras vezes,
não existiria um único e verdadeiro amor que lhe valesse a pena;
que todas as mulheres passam e somente a POESIA fica! que dores de corno intelectualizado
que se toca, se curam realmente com a cachaça dos bares fudidos das Sete
Portas; que toda a mulher passa, mas somente a lembrança de uma boa trepada
fica; que toda a vez que uma mulher gostosa se vai, o calor da sua bucêta
sempre fica etc. Depois de ouvir todo o nosso arrazoado etílico-poético,
o Paulo Garcez caía numa gostosa e sonora gargalhava e após tomarmos
um gole de café frio, saíamos juntos sob a garoa fina das quatro
horas da madrugada para os bares nostálgicos do Mercado das Sete, Portas
a fim de comemorarmos juntos mais uma "ressurreição garceziana"!
Numa dessas inúmeras "ressurreições", sentado
num tamborete vagabundo de bar no Mercado das Sete Portas, o Paulo Garcez de
Sena mete uma das mãos pálidas e trêmulas no bolso da calça
e de lá retira um papel amarelecido e machucado onde estava escrita uma
poesia. Com os dedos flácidos e amarelecidos da nicotina, o poeta fecha
um pouco os olhos por causa da fumaça do cigarro e diz que aquele poema
foi escrito em homenagem à sua própria morte, em seguida, com
a sua voz gutural, declama:
"As minhas mãos
Irão para o caixão
Apodrecerão na terra
As minhas mãos
Com meus dedos épicos
Construíram civilizações
As minhas mãos
Esculpiram um colosso
Maior que o Rodes
As minhas mãos
Irão para o caixão
Com meus dedos épicos
As minhas mãos
Estas que escreveram poemas
Irão para o caixão
As minhas mãos
Em concha no peito
Um dia
As minhas mãos
Apodrecerão na terra.
Inúmeras foram às vezes em que o poeta e escritor Paulo Garcez
de Sena reuniu os seus amigos mais chegados para se despedir, com os olhos molhados
de lágrimas ardentes, anunciando mais uma vez o seu poético, demente
e acalentado suicídio!
A busca patológica da publicação dos seus poemas, contos.
músicas e ensaios poéticos aqui na Bahia deu em nada. Convivi
com o Paulo Garcez de Sena até os últimos anos de vida aqui na
terra. Um fato que muito abateu a sua alma foi a venda, para uma imobiliária,
da sua residência ancestral, a sua casa não-onírica, a sua
casa real, aquela mesma situada na Rua Inácio Tosta, 31 - Bairro do Nazaré
- Salvador - Bahia, que depois de demolida deu lugar a um espaço vazio
que hoje serve de garagem aos advogados e clientela que mourejam uníssonos
na busca de uma pretensa justiça, enquanto que naquela época,
sob as suas telhas seculares e marcadas pelo limo dos tempos, embalava-se o
nosso poeta em seus sonhos e devaneios suicidas, os mais lindos!
No ano de 1982 ou 1983, faltando ainda mais de uma década para a sua
morte, ocorrida em 1998, quase no final do século XX, o poeta Paulo Garcez
de Sena me procurou mais uma vez, com os seus olhos brilhantes e extasiados
de prazer, dizendo que ia para o Ceará para publicar o seu livro; que
tinha conhecido Manoel Coelho Raposo, José Alcides Pinto, um tal de Nilto
Maciel e outros "caras malucos" da revista literária O SACO;
que iria publicar o seu livro de qualquer forma, pois o José Alcides
Pinto tinha garantido escrever o prefácio, só faltava escolher
o titulo, mas que depois ele iria ver isto. Que iria promover uma porção
de tertúlias literárias em Fortaleza com o pessoal novo de lá
e com os "meninos de O SACO" para divulgar a sua poesia; que queria
uma porção de poemas dos amigos da Bahia a fim de publicá-los
na revista o SACO. Que já tinha combinado com eles o lançamento
de O SACO no Teatro Castro Alves, em Salvador-BAHIA e que tinha que tomar uma
porção de caixas de "Valiun 10" para agüentar a
onda. Imediatamente coloquei em suas mãos uma porção de
poemas que fiz para a poetisa Mônica Farias, por quem eu estava putamente
apaixonado!
Não me recordo onde estaria, se em Amélia Rodrigues, cidade romântica
do interior da Bahia, próxima a Santo Amaro da Purificação,
ou mesmo em Salvador, quando fomos comunicados através de ridícula
e insipiente nota publicada em um jornal baiano do lançamento do livro
"ESCRITURA DA PALAVRA E DO SOM", do poeta Paulo Garcez de Sena. A
insipiência da nota valeu para a magnificência da obra, pois rejeitado/odiado
e considerado maldito e maluco pela classe literária burguesa de Salvador
- Bahia, o poeta Paulo Garcez explodia a sua poesia em terras estranhas, no
estado do Ceará, que o acolheu respeitosamente de braços abertos,
confiando nas rimas translúcidas e eternas da sua poesia. Agora sim,
o poeta Paulo Garcez de Sena entra em cena com a virilidade louca e selvagem
da sua poesia, prosa e letras musicais ensurdecedoras e cheias de um transbordamento
poético até então indescritíveis.
Já não é um poeta desconhecido, trata-se de poeta laureado
com publicação poética de nível e agora reconhecido
pelo público e pela crítica. Elevam-se as loas para o poeta, as
palavras bonitas, escolhidas a dedo e colocadas como portfólio nas páginas
dos principais jornais da Bahia, que no passado o escoimavam. O Paulo Garcez
de Sena salta do avião, no Aeroporto 02 de Julho, na Bahia, vindo do
Ceará, como se fosse o próprio Paul Mc Cartney saltando da sua
limusine branca nas portas do "Cavern Club", em Londres. Recolhe-se
ao seu refúgio na Rua Inácio Tosta, 31 - bairro do Nazaré/Salvador-Bahia
quando vêm os repórteres de jornais e televisões entrevistá-lo,
conhecer as suas doutas opiniões e cultas análises sobre o fazer
poético e coisa e tal.
O poeta Paulo Garcez de Sena os saúda da janela com um copo de pinga
nas mãos, dá-lhes um bom par de bananas e uma gostosa gargalhada,
mandando-os todos à puta que o pariu, que fossem todos à merda!
E o que seria uma entrevista com o "novo ícone da poesia baiana"
transformou-se numa monumental farra entremeada da mais pura cachaça,
acompanhada do conhaque mais ordinário comprado fiado no Mercado das
Sete Portas e ali arrodeado dos seus amigos mais chegados: Haroldinho Cajazeiras,
Walmir Rocha Palma, o Bobe, Tadeu Bahia e Mônica Farias, Jadmaro Gomes
de Santana, Mário de Carvalho Jr., do seu irmão gêmeo Pedro
Garcez de Sena, quando fizemos ao mesmo a nossa homenagem etílico-poética-musical.
Porém, naquele mesmo momento, ocorreu uma pequena homenagem familiar,
uma vez que estava presente além do seu irmão gêmeo Pedro
Garcez, também as irmãs Jujú e Tereza Garcez e as duas
sobrinhas que o Paulo Garcez mais adorava e idolatrava neste mundo: a doce e
meiga Maíra Pondé de Sena e a tímida e linda Maria Luíza
Pondé de Sena, ambas as filhas da ilustre e reconhecida intelectual baiana,
insigne historiadora e memorialista Consuelo Pondé de Sena com o seu
marido, o reconhecido neurologista e psiquiatra baiano Dr. Plínio Garcez
de Sena. Eu não havia contado nestas linhas que já fui apaixonado
pela Maíra Pondé de Sena e que escrevi para ela um poema imenso,
bem romântico, que foi publicado com destaque na página cultural
do jornal A TARDE? Até hoje guardo escondida esta poesia!
Esta poesia intitulada "CANÇÃO DA FUGA", dedicada à
menor impúbere Maíra Pondé de Sena, foi publicada na página
cultural LEITURA, do jornal A TARDE, numa edição de sábado,
exatamente no dia 22 de novembro de 1975. Ao lado da poesia da Maíra
Pondé de Sena havia uma poesia ciclotímica e narcisista do Paulo
Garcez de Sena intitulada "ODE A MIM MESMO". Naquela época
quase que fui indiciado por um suposto "atentado violento ao pudor",
nem sei se a Maíra tinha 14 anos de idade! Salvaram-me as palavras de
defesa proferidas pelos lábios pretensamente advocatícios do poeta
Paulo Garcez de Sena e os braços sempre estendidos da poetisa Mônica
Farias que me socorreram sempre quentes e protetores naquela hora súplice,
quando recostei a cabeça sobre aqueles seios maravilhosos.
Com todo o amor, respeito e carinho que tenho pela ilustre historiadora e mestra
Consuelo Pondé de Sena, para mim a única mulher na Bahia que é
representante nata no Brasil das áreas de História, Antropologia,
Geografia e Sociologia, conhecedora e estudiosa da Língua Tupi, memorialista
ímpar, com o espírito e cérebro em ebulições
constantes na busca de novos conhecimentos em prol da nossa cultura, eu confesso:
depois de passados mais de trinta anos em que foram escritos aqueles versos,
até hoje os guardo com amor e carinho no fundo do meu coração,
e acredito que os mesmos continuam atualíssimos... As suas filhas, amiga
Consuelo Pondé de Sena, continuam lindas e maravilhosas iguais aos raios
iluminados do sol, para mim elas serão sempre puras, meigas e adolescentes!
É muito gostoso ver sempre a Consuelo Pondé de Sena, cunhada do
poeta Paulo Garcez de Sena, distribuindo eloqüência, muita beleza
e a sua reconhecida sabedoria tanto na presidência do Instituto Geográfico
e Histórico da Bahia, como nas páginas culturais dos jornais da
cidade, ou representando tanto o estado da Bahia ou o nosso país em múltiplos
eventos e simpósios internacionais, ou participando de entrevistas solenes
e magníficas de televisão, como a produzida recentemente pelo
nosso amigo comum, Jorge Portugal. Ainda este ano a mesma viajou com a sua linda
filha Maria Luíza, na companhia da minha esposa Sueli e do cunhado Ivair,
para a pequena cidade de Ubaíra, situada no interior da Bahia, para passarem
um gostoso final de semana naquele lugarejo romântico e encantado, encravado
no Vale do Jequiriçá.
Mas voltemos ao poeta Paulo Garcez de Sena...
Acontece o lançamento do livro "ESCRITURA DA PALAVRA E DO SOM"
no estado do Ceará. A cultura baiana se retrai e responde a este lançamento
com um muxoxo de desdém. Ao poeta Paulo Garcez de Sena restam as comemorações
da sua glória em terras estranhas, uma vez que a sua Bahia, tão
querida, à sua arte poético-literária nunca se deu por
reconhecida. O poeta José Alcides Pinto clama a todos para reconhecerem
o Paulo Garcez de Sena a altura de um Antonin Artaud ou a um Kafka. O prefácio
constante do livro em questão busca tornar sacra a própria loucura
do nosso poeta baiano, quando citando Jacques Lacan, o direciona sob o aspecto
psicanalítico, tentando absolvê-lo da sua loucura poético-planetária,
ao inferir que "... sua obra influi no discurso literário, com
grande repercussão no mundo inconsciente. E a obra de arte não
foge a esse postulado. As emoções são responsáveis,
no que interessa à psicanálise, no mundo das relações
estruturais da escritura e do comportamento do indivíduo o seu relacionamento
social. E é, sobretudo no texto poético-inventivo que se dá
a rotura da razão, por se constituir, a mais das vezes, um estado ou
um caso de "loucura", como em Antonin Artaud, por exemplo."
Assim segue o poeta José Alcides Pinto à proceder ao dessecamento
poético do poeta Paulo Garcez de Sena, colocando-o mais uma vez em cena
ao citar que "O confronto com o mundo físico-erótico,
amoroso-lírico, se funde ao medo existencial e à angústia,
que por outro lado se inscreve na simbologia mito-paranóica".
Para aqueles nômades literários que nada entendem de estética,
tampouco de lingüística, quiçá poesia, na certa estariam
todos a falar que o Paulo Garcez de Sena estaria mesmo fudido com todo este
palavreado estético-analista etc. Todavia o José Alcides Pinto
declama que o Paulo Garcez de Sena é um "... místico e
diabólico ao mesmo tempo, amoroso e profano, excessivamente afetivo e
rebelde, por outro lado... andarilho e aventureiro, de mochila a tiracolo, espécie
de Don Quixote, sem rumo certo, destino, a sonhar com dríades e sílfides
criadas de sua imaginação prodigiosa... preocupado em aprender,
como Balzac, nas Ilusões Perdidas, o grande nada do amor, das coisas
da vida."
O José Alcides Pinto torna-se conhecido por todos aqueles que deambulam
nos tortuosos descaminhos da lide literária como o "descobridor"
e autêntico médico-parteiro que fez vir à luz do mundo o
poeta Paulo Garcez de Sena, parto este que a cultura da Bahia jamais logrou
em conceber. Não porque não o quisesse, mas por causa de razões
óbvias de ciúme dada a magnificência absoluta e irreal da
sua poesia! Como diz o próprio Paulo Garcez de Sena: "a sombra assombra!"
Buscando desassombrar o fazer poético, literário e musical do
Paulo Garcez de Sena, o José Alcides Pinto numa espécie de "ladainha
mística" ainda o cultua como sendo: "...o grande peregrino,
o pegureiro, o grande louco, o asceta e o profeta mais grave... proscrito em
sua própria Pátria que lhe desconhece e que ele tanto ama."
José Alcides Pinto revela o óbvio do poeta baiano Paulo Garcez
de Sena como uma negativa ou fotolito cristalino e puro concebido pelo primo
e fotógrafo Sílvio Robatto, ao revelá-lo como sendo "...
a grande dor humana de nosso século, o conflito, o caos, a razão
pelo avesso e a meta dos suicidas, aquele mundo estranho e abissal no qual mergulhou
recentemente o escritor Pedro Nava, mundo e universo que fogem ao controle do
homem mais sensato, e que foi também o caminho percorrido por Kafka,
Unamuno, Byron, Poe, Baudelaire, Lauréamont, Augusto dos Anjos, Dostoievski
e Antonin Artuaud... Paulo Garcez de Sena e sua obra se confundem. Não
há como separá-los. Formam... um estado de espírito ameaçado
pela loucura iminente. Mas uma loucura que se revela em estado de graça."
Percorrendo as páginas iniciais do livro "ESCRITURA DA PALAVRA E
DO SOM", mais precisamente no prefácio da autoria do José
Alcides Pinto, buscamos comparações e conseqüentes analogias
entre as suas palavras e as ditas pelo professor e arqueólogo baiano
Ivan Dórea Soares, também poeta e escritor, amigo íntimo
do poeta Paulo Garcez de Sena, quando, classificando a poesia garceziana, no
final dos anos 60, no bom sentido, como de uma "loucura romântica
total", encontramos nas palavras do José Alcides Pinto idêntica
revelação, quase vinte anos depois, quando o mesmo diz que, em
relação à arte do poeta Paulo Garcez de Sena, "...
sua arte é verdadeira total, porque é vivida nos conflitos
do mundo, aos quais ele se entrega como um verdadeiro suicida, com o ímpeto
e a ansiedade de um Van Gogh, por exemplo, Rimbaud, e poucos outros que preferiram
o abismo da arte à beleza do mundo."
Eu não estava na Bahia quando o poeta Paulo Garcez de Sena faleceu. Contou-me
sobre a sua morte o também poeta ALMA'ndrade numa tarde dessas, quando
nos encontramos meses depois no centro da cidade. Só sei que ele não
se suicidou... ufa! A Mônica Farias e eu ganhamos quando nada no final.
Ele não se matou, embora durante toda a sua vida tenha vivido sucumbido
pela própria Poesia! Suicida em potencial obteve das graças da
vida a dignidade de uma morte tranqüila. Nunca mais estive com a Mônica
Farias, nem com a Maíra Pondé de Sena. Ficaram guardadas no mundo
mágico da Poesia Garceziana, por certo.
A vida continuou o seu ritmo, a poesia enlouquecida e saudosa do poeta Paulo
Garcez de Sena também. Soube na semana passada, através de uma
nota no CRONÓPIOS que também o José
Alcides Pinto havia falecido. Agora são dois poetas a argumentarem sobre
o fazer poético, lá nos céus. Na última vez que
estive no Mercado de Sete Portas, em Salvador-Bahia, após comer um lauto
e apetitoso sarapatel, num dia de sábado do ano de 1997, quase morro
depois. Só superficialmente contei o caso para a Sueli, minha atual esposa,
a qual me censurou veementemente, quando depois de passar por uma inesperada
septicemia, adquiri ainda a bactéria pseudomona, seguida de um
quadro grave de Hepatites A, B e C que me puseram mais uma vez em estado de
coma no Hospital Espanhol, quando outra vez fui desenganado pelos médicos,
tive outro caixão comprado etc. e tal, salvaram-me os conhecimentos médicos
do Dr. Fernando Figueiras e do Dr. Cesário Jurandir Magalhães,
tendo o caixão em causa sido mais uma vez devolvido à respectiva
Casa Funerária aguardando a próxima ocasião. Atualmente
me satisfaço na solidão da minha fazenda a relembrar aqueles amigos
que se foram, recordando os seus versos, as suas construções poéticas
magistrais e a eternidade translúcida e bela das suas poesias.
Quanto ao poeta e ficcionista José Alcides Pinto, o mesmo nasceu em 10
de setembro de 1923, na localidade de São Francisco do Estreito, distrito
de Santana do Acaraú, Ceará , vindo a falecer no último
dia 02 de junho de 2008 em Fortaleza/Ceará, atropelado por uma motocicleta,
quando se dirigia a uma Agência dos Correios e Telégrafos a fim
de postar dois livros inéditos da sua autoria: "O Algodão
dos Teus Seios Morenos" e "Diário de Berenice". Nunca
se soube se ao atravessar a rua desatentamente, ou não, o poeta José
Alcides Pinto estaria a pensar nos seios morenos, intumescidos e gostosos na
forma de algodão, sabe-se lá de quem, ou no que dizia o tal diário
da Berenice.
O José Alcides Pinto era formado em Jornalismo pela Faculdade Nacional
de Filosofia do Rio de Janeiro, bem como formado em Biblioteconomia através
da Biblioteca Nacional. Concluiu ainda o curso de Especialização
em Pesquisas Bibliográficas no Instituto Brasileiro de Bibliografia e
Documentação - IBBD e o curso de História da América
através da Universidade do Brasil. O José Alcides Pinto conta
também no seu currículo o ter sido redator do Ministério
de Educação e Cultura e Professor da Universidade Federal do Ceará.
Apesar de todos estes títulos o nosso poeta José Alcides Pinto
assemelha-se ao personagem "Quincas Berro-D'água", criação
do velho amigo e escritor baiano Jorge Amado, que cansado de levar uma vida
exemplar e escorreita, bom chefe de família, irmão exemplar, cidadão
guapo e cumpridor dos seus deveres e obrigações, católico
praticante, funcionário público honesto e incorruptível,
a certa altura da vida larga a porra toda e vai dedicar-se ao devaneio sagrado
das mulheres bonitas e da Poesia! Daí então concluímos
que o Quincas Berro-D'água, o Paulo Garcez de Sena e o próprio
José Alcides Pinto fundem-se numa mesma pessoa. Aquela pessoa desapegada
do mundo capitalista que não gira em torno da matéria, para dedicarem-se
aos fluidos oníricos e enevoados da Poesia, louvando e fazendo sexo com
quaisquer mulheres que lhes levantasse as saias; sempre tentando a morte e provando
uma boa cachaça misturada ao conhaque, com toda a sua agressividade louca
e felina!
Tanto o Paulo Garcez de Sena como o José Alcides Pinto tinham predileção
para o culto místico universal. Pena não serem iniciados na Maçonaria.
Teriam conhecido muita coisa importante. A Maçonaria é uma Ordem
Iniciática, cheia de segredos, graus e mistérios assim como é
a própria vida. Um dos temas preferidos destes dois poetas era o sexo,
com todas as suas loucas fantasias e ilimitações posturais as
mais diversas, dignificadas nos seus versos os mais solenes, tendo sido os criadores
do Kama-Sutra na Poesia Brasileira! Junto a eles o Gregório de Matos
e Guerra seria um insípido aprendiz, com todo o respeito e carinho
que tenho ao Fernando da Rocha Peres e João Carlos Teixeira Gomes, dois
especialistas históricos do Gregório de Matos na Bahia e no Brasil.
O Paulo Garcez de Sena e o José Alcides Pinto adoravam os prazeres do
sexo, assim como cultivaram durante todas as suas vidas o desvão dito
obscuro, não obstante paradoxalmente iluminado e desconhecido da morte.
A morte não tem mistérios. Ela é a morte e ponto final.
Não necessitamos saber o que tem do outro lado da vida, pouco importa
saber ou não saber, só os padres veados e as admiráveis
freiras lésbicas têm tesão para discutir sobre isto. Nós
os Poetas, não. Fiquei emocionado com a recente entrevista concedida
pela escritora e fotógrafa baiana Maria Sampaio na revista semanal MUITO,
do jornal A TARDE, edição de 29.06.2008, que até comentei
por telefone com a Lia Robatto, quando a Maria respondendo à repórter
sobre o medo da morte, poeticamente assim se expressou:
"Eu sei exatamente o que é. Sabe o que é o medo de morrer?
É a saudade que eu vou sentir dos outros, que eu nunca mais vou ver.
Mas não vou sentir mais, porque vou morrer. Para mim a morte é
isso: a saudade!"
Encerrando a cosmo visão filosófica e metafísica sobre
a morte, apresento neste momento uma criação poética do
poeta José Alcides Pinto sobre o referido tema, onde o mesmo assim se
expressa:
"Que mais precisa o morto
A não ser do sossego
A paz que vem dos mortos
Está no aconchego
Da própria escuridão
Que lhe serve de abrigo
À suma eternidade
Trancado em seu jazigo
(...)
Mas quem pode afirmar
Com absoluta certeza
Se o morto não está vivo
Embora morto esteja?
Nada mais a fazer do que somar ao mesmo tema a inspiração poético-onírica dos versos do poeta Paulo Garcez de Sena, intitulado "ÚLTIMO POEMA" o qual dedico, por intercessão espiritual do mesmo, à memória do poeta José Alcides Pinto, o qual abaixo transcrevo, como numa prova de reconhecimento saudoso às suas próprias e exuberantes poesias, agora reunidas no reino místico da Eternidade, onde por certo o próprio Deus irá publicá-las numa Antologia Poética a ser lançada algum dia, lá nos Céus...
"Não te fiz rosa
o que fiz
foi orvalhar tuas pétalas.
Não te fiz espinho;
o que fiz
foi sangrar nas suas mãos."