CARTA DE RECOMENDAçãO
Caro amigo, o portador desta pediu-me, com empenho, que o recomendasse a você.
Isso se deve ao fato, óbvio, de, em algum momento do qual já não
me lembro, ter-te recomendado a ele com algum elogio ocasional.
Pois só por ter-te, gratuitamente, recomendado, poderia ele querer, interessadamente,
ser recomendado por mim. Ora, como o conheço muito pouco, e te conheço
muito, recomendo-o tudo que posso, sem saber se isso é bastante, e peço-te
que faças por ele o que achares que podes, pois sempre farás demais.
Não sei, porém, se, te recomendando ele, me recomendo a ti, a
ele, e a mim mesmo. Pois o que eu poderia dizer do recomendado seria mais do
que ele merece. Por ser também mais do que eu próprio mereço,
já que, criterioso como sou, nunca recomendaria alguém que fosse
menos do que eu, ou apenas tanto quanto. Mas sei que, pensado assim, fico num
paradoxo: ele é quem deveria me recomendar a ti, e não eu a ele.
Se você concordar com isso, então, por favor, peça que o
faça, e só posteriormente aceite minha recomendação
dele. Seu velho amigo - se é que jamais ouviu falar de mim - agradecido,
Millôr.
RECOMENDAÇÃO A UMA CARTA DE RECOMENDAÇÃO
Caro Millôr, obrigado por ter-me gratuitamente recomendado, mesmo que
por mim não fosse pedido.
Concordo totalmente, já que não posso fazê-lo pela metade,
de que a única recomendação que fizeste foi a sua, e a
minha - o que faz de uma duas. Ao me recomendar a um desconhecido gratuitamente,
e feito isso magnificamente bem, acaba de se recomendar a mim, a ti e a ele
que nem conheço. Porém não posso aceitar a sua recomendação,
já que se pouco conheces do recomendado, o recomendante, no caso você,
perde credibilidade. E como você recomenda apenas alguém melhor
que você, fica óbvio a sua ignorância perante o recomendado,
e em dúvida, a sua capacidade de recomendar. Logo, melhor do que pedir
a ele, que nem conheço, que te recomende a mim para depois ouvir tua
recomendação dele, e assim sanado o problema, peço que
cada um de nós se recomende a nós mesmos. Só assim
consideraremo-nos melhores do que realmente somos. Apesar da lavada mentira,
isso não acarretará problemas. Como nos desconhecemos, tudo foi
dito e nada foi feito. Seu velho amigo, Jarbas.