A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A sombra às vezes assombra

(Géber Romano Accioly)

Às vezes perdemos de nos relacionar com alguém pelo simples fato de uma visão inicial distorcida.

Informa o dicionário em um verbete, que o espaço privado de luz pela interposição ou presença de corpo opaco é a sombra. Ainda continua nos fornece sinônimos como: Escuridão, trevas, noite. Depois nos fornece uma interpretação metafórica e nos informa que ela é uma coisa que parece impalpável e imaterial. Mancha, nódoa. Defeito, senão. Aparência, vestígio. Ligeira noção; tintura. Poder, proteção. Na pintura ela é os lugares mais sombrios ou mais obscuros de um quadro. Poeticamente é tudo o que entristece a alma. Ainda pode ser: A região dos mortos, as almas dos mortos, trevas, etc., etc.

Toda esta embolação vernácula não dirá nada se não se partir para a causa da sombra sobre a qual este texto se firma: Uma formiguinha (dessas "doidinhas" que invadem nosso açucareiro, manja?) que ia passando por um tapete e os raios do Sol nascente (cinco e cinco da matina) incidiram sobre a dita cuja e sua sombra ficou quilométrica. O que me chamou a atenção foi sua sombra caminhando, pois a formiguinha era um nadica de nada e não dava quase pra ser vista por mim que estava sem óculos e sentado para a "meditação" matinal. Que lapa de sombra! Cá com meus botões (por sinal não os tinha nenhum naquele momento, pois estava como vim ao mundo, mas com as transformações normais dos meus sessenta e seis aninhos) comecei a filosofar sobre certos medos que temos das coisas, em virtude de sombras (aqui cabe bem o "Mito da Caverna" platônico).

Estar na sombra de alguém é estar protegido por este alguém e neste caso a sombra é poder, proteção, concorda? Pois sim.

Muito comum é ver-se a sombra de alguém bem maior do que ela é e se este alguém viveu em tempos remotos aí "o encanto" dobra. Sua sombra cresce cada vez mais que se afasta do ponto de origem temporal. Simples mortais, às vezes obscuros, se tornam deuses. (Meu avô paterno, pra mim, hoje, já bisavô, é quase um semi-deus e meu pai um deus.) Porque se tenta modificar o passado? Será que o Tartarana do Rosa tem razão quando diz: - "... mocidade é tarefa pra mais tarde se desmentir"? Desmenti-se o passado para se apresentar um presente digno de merecer os diversos paraísos celestiais.

Irrita-me muito a mim, pecador confesso, a santidade de certos personagens que tiveram um passado mais sujo que pau de galinheiro. Ouço diuturnamente elogios a crápulas e vejo estátuas erigidas a pústulas que me fazem lembrar excrementos. Como eles puderam ter suas sombras aumentadas e distorcidas? (puxa, como estou amargo neste dia de natal de dois mil e sete!) Vou parar por aqui senão vou acabar duvidando até da divindade de Jesus.

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