A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Animal de estimação

(Géber Romano Accioly)

Relacionamentos existem dos mais diversos, mas os mais duradouros e verdadeiros são com os "irracionais".

Por mais que certos sapiens não queiram dar o braço a torcer dizendo não gostar de animais ditos irracionais, lá no fundo (às vezes bem no fundo mesmo) há um animal de sua preferência. Por anoso sou forçado a assumir a minha preferência.

Tentei alguns animais:

Pássaros. Sou amante da liberdade;

Animais silvestres. Acho contraproducente além de ilegal;

Cachorros. Apegam-se muito a nós, ficam muito dependentes e nos tolhem a liberdade.

E aí por que não os gatos. Gatos. Gatos?

A princípio relutei um pouco. Os achava muito arrogantes, mas com o passar dos tempos fui me aproximando feles. Recentemente, viúvo, sofrendo a perda da companheira de muitos anos e anoso apareceu na minha caiçara em Itamaracá - PE, uma gata vira-latas, velha, magra, feia e sofrida.

Inicialmente fiz pouco caso, mas o sofrimento e a solidão... (pontos em comum?). Ela ficava de lá e eu de cá. Um dia dei um restinho de comida e ela depois de saborear sem a mínima relutância e cerimônia, me agradeceu erguendo bem a cauda magra e se esfregando nos meus tornozelos. Fiquei na minha e ela Foi Ficando e Ficou. Batizei-a de FFF (se lê Fê, Fê, Fê). Engravidou e gestou e pariu três gatinhos (dois o garotinho[= cinco aninhos] da vizinha matou-as de pancadas e esfregaduras). Escapou um que eu batizei de Babão, pois era muito manso e ficava junto da gente mordendo nossa roupa e babando. Foi morto por um vizinho com "1080" talvez pelo estranho hábito de ser gentil babando.

Viajei. Perambulando pelaí, conhecendo novas paragens e revendo outras. Conhecendo novas gentes. Renovando-me e me livrando da viúves. Passei três anos ausente de minha caiçara. Voltei renovado e pronto para recomeçar e lá na minha caiçara me recebeu com um esfregar-se pelos meus tornozelos e um miadinho (talvez saudoso) esfomeado. A FFF. Ficou "tomando conta" do pedaço onde ela fora bem tratada. (fui descobrindo com o tempo).

A FFF é voluntariosa, braba (entrou no território dela ela bota pra correr até cavalo) e excelente mãe. Depois da minha volta pariu mais quatro gatinhos. Dois o mesmo menino da vizinha (agora com nove anos) matou pelo mesmo método. Escapou um casal. Batizei o casal de Gatinha e Gatão. Até agora estão vivos e fortes, mas... (o vizinho do "1080" ainda está por lá)...

Passo tempos observando estes três: a FFF, a Gatinha e o Gatão. Somente permanecem com quem os trata bem. Ronronam quando estão dengosos e carentes. São independentes e com personalidades próprias e diversas. Têm lugares preferidos. Alimentam-se em horários diferentes. Tão pouco se lixando se eu entro ou saio. (a não ser quando me esqueço de colocar a ração e sou lembrado pelo rabo erguido e o esfregar-se nos meus tornozelos miando).

Agora estou gostando da arrogância deles, pois ela simboliza independência e liberdade. Eu quereria ser arrogante como os gatos.

Às vezes ficava a me perguntar por que escolhi gatos como animais de estimação depois de anoso e livre. Sabem por quê: Estou anoso, mas sou HOMEM e como tal adoro mulheres. Mulheres e gatos - ou seres parecidos! Além do mais: mulher dengosa e gostosa é... GATA.

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