Fazia a barba pela manhã e pensava quantos anos já tinha vivido.
Lembrei-me dos amigos que já se foram e que nem deu tempo de dar-lhes adeus.
Quando sabemos eles morreram. É como se fosse um pedaço da gente
que vai fazer falta daqui pra frente. De olho na navalha e nas lembranças.
Um a um foi passando na memória, como se fosse um filme. Eu consigo ver
cada um. Nitidamente. É como se eles estivessem ainda presentes.
Marcus Aranha com seus artigos de domingo. Luís Augusto Crispim em suas
caminhadas sentimentais. Altimar Pimentel com suas histórias e danças,
João Balula e seu jeito de ser carnavalesco. Livardo Alves e o Bloco da
Cueca. Ednaldo do Egito e seu teatro marítimo. Pedro Santos e o coral cinematográfico.
Mário Assad e sua cosmologia genial. Silvio Allen e a história mais
que bem contada.
Quando os amigos morrem, morremos um pouco junto. Pois ele leva nossa saudade,
nossa amizade e nossa alegria de tê-lo como amigo. É um silêncio
que não passa. Que não volta e que não nos devolve esses
entes queridos. Vivemos das lembranças, das miragens de suas presenças
em pensamentos e fatos vividos ainda quando estava por aqui. Essa certeza de que
não vamos mais vê-los, é desconcertante. Suportamos por força
das circunstâncias.
Será que vou vê-los um dia? Será que vou conversar com eles
novamente? Será que vou ter mesmo que viver apenas com a lembrança
das cosias que vivenciamos juntos? Será... Será... Tudo no futuro
e eu vivendo do passado. É incrível como não consigo colocá-los
no passado. Agora mesmo eles vivem aqui, um a um, na lembrança que não
se esvai. Acho que eles todos continuam vivos. Pelo menos agora enquanto faço
a barba. São como pelos. Sempre estão de volta.