A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Os dois neurônios

(Ivaldo Gomes)

Ontem conversava amenidades com Ana Maria, companheira de mais de vinte anos de estrada e brincávamos com as dificuldades que as mulheres têm de acordar cedo. Dizia pra ela que os 'dois neurônios' dos homens e mulheres, que chamo de Tico e Teco, são diferentes pela manhã. Nunca, em tempo algum, os dois neurônios femininos acordam ao mesmo tempo. As mulheres não foram feitas pra levantarem às cinco da manhã. Pode e deve dormir tarde, nada demais. Mas acordar cedo, não é uma especialidade feminina. Até porque no 'universo feminino' acordar é um ritual que deve ser seguido à risca.

Primeiro ela acorda. Fica ali olhando o tempo, esperando os sentidos irem voltando aos poucos. Depois levantam com uma mansidão que parece mais que estão se aninhando pra voltar a dormir. Arrumam a cama, pega as toalhas e vão ao banheiro em passos lentos. Ah! O banheiro! Lá se permitem ficar por um bom tempo. Primeiro o banho - e que banho - mulher não toma banho como homem. É um cuidado especial com cada parte do corpo. Uma mulher tomando banho é texto pra longos artigos. E depois do banho? Ah! Depois do banho! Primeiro as várias toalhas. Uma pra cabeça - ajuda a secar os cabelos - outra pro corpo, outra para os pés. Tudo feito em movimentos delicados e quase parando.

Agora o espelho, o pentear dos cabelos, o desodorante, os cremes pra tudo e mais um pouco, pois mulher que se preze detesta esse negócio de rugas e celulite nem pensar. Após uma leve água de cheiro atrás das orelhas, braços e pernas, ela sai toda enrolada para o quarto agora para se vestir. Ah! O guarda-roupa feminino! Guarda-roupa feminino é uma odisséia de coisas, cheiros e cores. Dá até prazer em ver um guarda-roupa feminino de tão arrumado. É tudo milimetricamente calculado. Nada está no lugar errado. E ai vem o desfile de tira isso e bota aquilo, até ela se sentir bem, confortável com ela mesma. Do acordar até aqui, já se passaram pelo menos uma boa hora. Agora vamos ao desjejum.

Água pra acordar o estômago e frutas da época para fazê-lo funcionar. Depois um café com algum pão, biscoito, queijo branco e mais um tempo pra relaxar que ninguém é de ferro. Nesse instante os dois neurônios já estão se comunicando. Pois agora, depois de alguns espreguiçamentos eles começam a trabalhar em dupla. Um já responde ao outro com mais velocidade. Pois as mulheres, de verdade, só começam a funcionar mesmo, depois das nove horas. Por tanto, não atrapalhe a vida de uma mulher até as nove horas da manhã. Daí pra frente ela toca o que tiver que ser tocado.

Cada dia que passa fico mais apaixonado pelo mundo das mulheres. E olhe que é o nosso próprio mundo, mas elas conseguem - não me pergunte como - criar um seu a parte. É outro tempo, outro ritmo, que só com sua benevolência é que começamos a entender depois dos trinta anos, pelo menos. Pois eu só vim entender as 'maçadas' das mulheres depois de adentrar no seu mundo particular. Elas conseguem levar horas se ajeitando e por mais que você diga que já estamos atrasados elas dizem: estou saindo! Não se sabe mesmo pra onde, mas quando elas saem, dá gosto ter esperado tanto.

Essa semana meus três filhos adolescentes, de paquerinhas na vida e de férias, me pediram pra levá-los pro shopping que eles tinham marcado às quatro horas em ponto (coisa de homem) um cinema com as meninas. Chegamos lá quinze pras quatro e ficamos a esperar as meninas. Deu quatro, quatro e quinze, e quatro e meia e toca o telefone: estamos nos arrumando, disseram elas. E tome a esperar. Lá pra cinco horas elas chegam como se fossem três e meia (coisa de mulher). Mas de tão lindas e cheirosas, a maçada dada vai logo descendo de elevador. Mas eu aproveitei o momento 'pedagógico' e sapequei pros meninos: vão se acostumando. As mulheres têm um tempo diferente do nosso. É que os nossos dois neurônios são masculinos. Logo têm essa praticidade inata.

Mas confesso a vocês que tudo de bom que aprendi na vida foi com as mulheres. Elas são o alento da minha vida. Mesmo aquelas que não vivem comigo. E olhe que ainda são poucas. Pois aqui em casa só tem homem (cinco filhos homens). Salvo claro, Ana Maria, que terminou montando um 'harém' ao contrário. Até o varal de roupa é uma graça: vinte e cinco cuecas e cinco calcinhas. E quando se junta o monte de amigos - todos homens - até porque eles estão ainda naquela idade de que 'homem anda com homem', mas já estão se interessando pelas curvas sinuosas que andam perambulando pelos corredores da escola e da vizinhança em torno de casa.

Aquele balanço no andar, com aquele jeito só seu de pisar em nossos sonhos, é indiscutivelmente sensual e feminino. E que bom que elas existem e são da maneira que são. Viva as nossas mulheres! Vamos protegê-las para que elas tornem mais bela e mais afetiva as nossas vidas. Reconheçamos que sem elas tudo isso aqui é muito chato. E até o designe não teria o menor sentido sem a sua existência. Que dirá o dia e a noite. Mas aceite meu conselho: não acorde uma mulher muito cedo. Pois elas não são a mesma pessoa com que você dormiu. E olhe, em alguns casos é até perigoso. Pois pode acordar o mau humor que acompanha as primeiras horas da manhã de uma mulher.

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente