O momento político brasileiro é surreal. De surreal diz-se que
são coisas inusitadas. Carmem Miranda foi surreal quando chegou a Hollywood
e pôs sua baiana pra fora. Arrancou suspiros, fez o inusitado. Quebrou
paradigmas. O Brasil, politicamente falando, é um caso de miséria
crônica. Pior do que seca no nordeste sem carro pipa. A indigência
a que chegou o 'que fazer' político no Brasil chega às raias da
irresponsabilidade. Irresponsabilidade de deixar o que tem que ser feito, para
ser feito o que o Brasil não precisa. Atender casos e interesses de pequenos
grupos, tanto rico quanto remediado à custa do erário, que já
foi público e que está cada vez mais privado. Privado pela ganância
de quem chega ao poder achando que o poder foi feito e talhado pra ele e seu
grupo.
Aqui não se administra o país, o estado, a cidade. Aqui se administra
o plano de poder de quem está no mando do país, do estado e da
cidade. Aqui a lei é pra ser cumprida, pelo cidadão, eleitor e
contribuinte. Não necessariamente nessa ordem, mas com a ordem de ser
cumprida. Claro que aqui não estamos falando de determinadas categorias
que estão, pelo jeito e pela forma de se comportarem, acima da lei e
da ordem. Eles são a lei e a ordem. Tudo é feito para que no fim,
eles sejam os contemplados. Por mais progresso cientifico que conquistemos,
parece que a mentalidade dessa elite governante - nos três níveis
de poder e nas três hierarquias administrativas - não consegue
fazer progresso.
Tem horas que me encontro em 1930. Onde a lei dos coronéis era a palavra
final. Donde os mesmos diziam aos juízes das suas comarcas quem devia
ser intimado ou não. No Brasil de hoje, de 2010, ainda estamos do mesmo
jeito de trinta. Onde a perseguição, a desfaçatez, o menosprezo,
a discriminação, a inveja, a falta de solidariedade nos menores
gestos, continuam sendo exercitada por essa elite que sempre está no
poder. Quinhentos anos de ditadura econômica. Onde o mando do peso do
capital, faz com que o brilho e o tilintar do ouro de todos nós, fique
sempre nas mesmas mãos e nas mesmas famílias. O surrealismo brasileiro
está conseguindo carnavalizar até as ideologias. Aqui o pensamento
do momento é aquele em que você possa levar alguma vantagem. Sem
vantagem não tem conversa. Isso está tão entranhado nas
consciências das pessoas, que até festa de aniversário se
pergunta qual a vantagem em ir?
O Brasil, os estados e suas cidades, do ponto de vista administrativo, estão
se tornando uma coisa amorfa. Sem rosto e sem identidade. Até o discurso
da impessoalidade foi entendido com a falta de transparência nos atos
públicos e de planejamento social. Aqui não se discute mais projetos
de vida. Mas a vida de alguns e seus projetos mirabolantes. Não temos
um projeto social global, para todos, socialmente responsável, com visão
de futuro. Administramos o caos, o aqui e o agora, o que sai de errado. O que
não tem conserto. Pois só corremos atrás do nosso desenvolvimento,
não somos empurrados por ele. Veja os dados da educação,
saúde e segurança. Não preciso dizer mais nada. Só
por essas três janelas você já pode deduzir a paisagem.
E o danado é que quando você pensa que as coisas vão tomar
outro rumo, um retrocesso faz mostrar que a gente mudou, mas não mudou
muito que é pra não ficar muito diferente. As representações
sociais são mais fracas que caldo de batatas, com poucas batatas. Se
os pobres estão reclamando muito! Endividemo-los no crediário,
na casa 'própria' de trinta anos de prestações e resíduos
impagáveis. Querem carro? Setenta e dois meses pra pagar um carro, mas
que foi cobrado três. Digam que 'a escola e a saúde é pra
todo mundo'. Só não pode ser tudo de uma vez. Dia sim tem, dias
não, não. Garanta o voto obrigatório para todos. Analfabetos
inclusive. Distribuam facilidades a crediário. Deixe que eles pensem
que serão os ricos de amanhã. Mas se não pagarem pela propaganda
enganosa, SPC neles!
A moda agora é sem ideologia. Pode ser com lenço e com documentos.
Escrituras. Muitas escrituras. De milhões de terras devolutas de índios
que não sabe plantar. Não tem talento pro agronegócio.
'Nem sei mesmo pra que esses índios ainda existirem, mesmo depois
de quinhentos anos tentando exterminá-los'. A moda agora é
ser o 'cara'. Mesmo que pra isso eu tenha que contratar um marqueteiro com seu
dinheiro pra dizer que eu sou 'o cara'. E que vocês não vão
mais conseguir viver sem mim. A moda hoje é argumentar que é legal.
Mesmo que seja imoral e engorde. Não importa o que digam de você,
o que vale mesmo é a conta bancária e o numerário depositado.
Se vierem do surrupio dos direitos sociais do povo ou do que deveria sustentá-los,
o que importa? O importante é se dá bem.
Que falta faz educação de verdade. Desaprendemos até separar
alhos de bugalhos.
(13/05/2010)