A Garganta da Serpente
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Sociedade dos Poetas Putos

(Ivaldo Gomes)

Talvez não seja a hora de reunir a Sociedade dos Poetas Putos. Talvez já tenha passado da hora. Essa entidade, não criada, mas imaginada por muita gente e dentre elas Carlos Aranha, em seu memorável disco de vinil Sociedade dos Poetas Putos. Estava lá no lançamento. Foi bacana a festa pá. Fiquei contente. Mas essa sociedade - sem sócios efetivos, apenas afetivos - precisa se reunir o quanto antes. Antes que não sobre nada ou alguma coisa a mais a ser colocada a serviço dos poderosos. A imprensa? Está a seu serviço. A política? Está a seu serviço? A economia? Está a seu serviço. A cultura? Mais da metade já está a seu serviço. E é isso que nos preocupa. Até que ponto arte e a cultura podem servir de massa de manobra para outros interesses que não seja o interesse cultural? Vão terminar nos convencendo que poder também é cultura.

Numa Sociedade de Poetas Putos que se preze, não dá para admitir que as reuniões sejam chanceladas por qualquer grupo político, partidário ou governamental no poder. Aliás, essa Sociedade é de poetas e com um agravante: putos da vida com essa vida que querem impor a todo custo e de goela abaixo. Ainda bem que sempre nos resta à poesia e a putisse para reagir à mesmice que se quer perpétua e que queremos livre. Livre pensar nesses dias onde tudo passa pelo controle dos poderosos de plantão. Por mais que façam das suas, nunca vão conseguir calar quem tem o que dizer. Mesmo censurando nos meios de comunicação que estão a serviço desse mesmo poder. Faz escuro, mas a gente canta e reconta a história. Que é para que não se esqueçam os moços.

Numa Sociedade de Poetas Putos é preciso reação. Reagir e sair atirando balas de manifestos, cartas, poemas, discursos e propagações. Ações concretas e reunitórias sem a permissão da participação do poder 'constituído e aceito' pela maioria em nome e detrimento de uma minoria privilegiada. Não sento mais perto de dirigente, nem oficial e nem oficiosamente. Não os reconheço mais como mandantes de coisa alguma. Fiquem com seus governos (cargos) e nós ficamos com as nossas consciências e nossa arte. Nada de ajuntamento com quem quer que seja de governo nenhum. Os governos não são de confiança. Logo, deixe-os de fora mesmo. Até do seu voto. Numa Sociedade de Poetas Putos, o 'establisment' fica de fora. No sereno e levando chuva. E se morrer, não nos fará falta.

Estou muito disposto a ajudar a reunir a Sociedade dos Poetas Putos e reagir mais organizadamente a tudo isso que está ai. Até para salvaguardar alguma coisa que precisa ser salva. Pois da maneira que vamos, ficamos apenas com a conta e a cara na porta. Pois quem escolhe é quem serve ao mandatário de plantão. E não estamos mais dispostos a ficar achando que é isso mesmo e quem quiser achar ruim que vá lamber sabão. Pois vamos não. Vamos reagir e continuar a dizer que em terra de cego, doação de córneas. Em vez de cabos eleitorais, continuemos artistas. Em vez de frases feitas, poemas disformes. Se informe e veja que não dá pra adiar mais a reunião da Sociedade dos Poetas Putos. Onde a presença dos dirigentes governamentais é sempre mal vinda.

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