A violência toma conta da Paraíba. Parece mais uma guerra. Toda
semana mata-se mais de cinqüenta pessoas, em média. Essa tem sido
a pisada da violência por aqui. A maioria dos crimes ficam impunes e muitos
nem a autoria se descobre. Um misto de pobreza, ignorância, bebedeiras,
drogas e ruindade cercam as circunstâncias dos crimes e dos criminosos.
Só que isso tem se alastrado qual pavio de pólvora e tende a romper
o pacto inconsciente de civilidade em que ainda vivemos na Paraíba. Falta
apenas para piorar a situação de tantas injustiças sociais,
aparecerem grupos armados com alguma ideologia. Pois ideologia são idéias
colocadas com algum propósito. Mesmo que seja para coisas ruins. O melhor
exemplo de organização ideológica no crime são o
PCC e o Comando Vermelho. Essa história da aproximação
dos guerrilheiros de esquerda num mesmo presídio que os presos comuns
já foram inclusive fartamente comentados. Todos possuem notícia
desse fato histórico.
Quando assisto indignado o massacre que o Estado de Israel faz contra os Palestinos
e vejo os números da guerra - absurdas - percebo que são equivalentes
ao que se mata na Paraíba em seis meses. E não vi ainda a ONU,
os governos internacionais e nem esse mundo de Ongs pelo mundo afora, se revoltarem
contra tamanha violência. Não que não seja importante se
indignar com os massacres em Gaza. Mas temos que olhar o massacre que acontece
no nosso próprio terreiro, com conterrâneos nossos, vizinhos, conhecidos,
que vivem tão perto da gente, morrendo aos montes todos os dias.
A violência prossegue nas madrugadas de João Pessoa e da maioria
das cidades do interior da Paraíba. Todo amanhecer aparecem cadáveres
crivados de balas. Execuções das mais variadas. E com uma mesma
e quase sempre explicação: envolvido com drogas, ex-presidiário.
Como se isso fosse justificativa e explicação para todos esses
casos. Muita gente inocente tem sido vítima dessa violência desenfreada,
mas como é pobre, mora distante, a sua morte cai na vala comum das estatísticas
e das justificativas cínicas para explicar o inexplicável.
As estatísticas mostram que as mulheres no Brasil, principalmente de
classe popular, já possuem uma expectativa de vida maior que dos homens
da mesma classe e faixa etária. Uma das explicações é
que a maioria dos assassinados são homens jovens entre 15 e 28 anos.
Essa é a nossa 'faixa de gaza' das estatísticas fúnebres.
Mas a nossa indignação - ação concreta - encarrega-se
de lutar pelo próximo mais distante. Compadecemo-nos dos Palestinos (e
devemos ser solidários também com eles), mas nos esquecemos de
tratar os nossos próprios mortos. E me parece que as 'políticas
públicas para a segurança' desse país, de há muito
já demonstraram sua incapacidade de lidar com esse problema. A solução
que o Estado tem perseguido - e tem sempre fracassado - é a repressão.
Em todos os sentidos. Cada dia mais o Estado Brasileiro, assim como o Estado
de Israel, matam brasileiros e palestinos numa guerra sem fim.
Aqui temos mais programas repressivos que sociais. Pois se você colocar
na ponta do lápis de quanto custa junto o nosso sistema judiciário,
carcerário e policial, você vai ver que as tais verbas sociais
são insignificantes e inconseqüentes, pois o sistema judiciário,
carcerário, policial, continua crescendo e as estatísticas fúnebres
também. E as mortes se sucedem em nossa 'faixa de gaza' e aumenta a vala
comum onde enterramos nossos próprios mortos. E morrendo vamos juntos,
pois o que se gasta hoje com segurança - em todos os níveis -
chega-se as raias da neurose coletiva (some os investimentos públicos
e privados). Parece que o sonho é viver num mundo onde só exista
o que a gente gosta. O que a gente não gosta deve ser eliminado. Se possível
deixemos o território só para alguns. Do jeito que vamos vai ficar
cada dia mais difícil se viver de verdade por aqui. Nem os condomínios
fechados ficam mais impunes.
Precisamos rediscutir urgentemente esse 'modelo' econômico, político,
ideológico, social que estamos trilhando. Pois estamos recolhendo muitos
cadáveres pela manhã. E nossa própria 'faixa de gaza' vai
se esvaindo em sangue e descasos de todas as naturezas. Precisamos reagir com
soluções sociais de melhoria de condições de
vida para todos. E ai a reeducação, educação
com qualidade, qualificada, é fundamental. Mas vocês sabem quanto
ganha um professor na 'faixa de gaza paraibana'? Menos que um motorista, menos
que um vendedor de frutas, menos que um jardineiro com alguma clientela, menos
que um coveiro com muitos enterros. Menos que um vigilante particular de uma
casa chique. Triste de um país que têm em seus professores seus
inimigos. Pois da forma como o Estado Brasileiro trata seus professores, é
como se eles fossem de fato uns estorvos. E isso também é resultado
da ausência de políticas sérias para a educação
e, por conseguinte para a nossa própria segurança.
Não teremos segurança (paz) e nem baixaremos os índices
de violência (crimes) no país sem fazermos o dever de casa que
é promover um grande ajuste de Justiça Social. Não
vamos ter paz sem resolver a questão primordial que nos atormenta há
séculos: a pobreza generalizada da nossa população. Não
adianta colocar ônibus decente e pagar um indecente salário ao
trabalhador, pois o mesmo não vai ter como pegar o ônibus. Tem
horas que acho até masoquismo. È como passar propaganda de mesa
farta na televisão e as pessoas do outro lado tomando água com
açúcar. Chupando o dedo. Pensando que um dia vão ter uma
mesa igual aquela. Ou quem sabe um restaurante popular. Aqui nos preocupamos
com as migalhas. Com as esmolas. Nunca com a necessidade cidadã de reconhecer
os direitos de verdade. E daí pra frente à sociedade se desintegra
e ficamos a ver os paliativos.
E que paliativos: mais polícia, mas armas, mais balas, mais mortes, mais
presídios e mais sofrimento. Essa equação está errada.
Deveria ser mais escolas, mais empregos decentes, mais resgate de direitos sociais.
O moderno hoje, o imprescindível como dizia Bertolt Brecht, é
resgatar direitos, incluir, dá dignidade, progresso e ascensão
social. E isso não se consegue só com bolsa família que
parece mais 'pochete' de guardar moedas. E não vamos nem falar no que
se faz do dinheiro público, com governos avessos a fiscalização
e controle social. Nem tão pouco do aproveitamento da máquina
pública, loteado em torno de interesses de grupos e correligionários.
A sensação que ficamos é que os cidadãos da 'primeira
classe' se esquecem que quando o navio social afunda (a nação),
os cidadãos de terceira, quarta classe, tratados como ratos de porão,
tende a subir para o convés. E convenhamos, precisamos sair dessa 'faixa
de gaza' em que nos encontramos.