A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Felizcidade

(Ivaldo Gomes)

Eu já tenho uma felizcidade. Esse termo felizcidade, assim junto, significa que eu vivo numa cidade feliz. Pois é assim que me sinto em João Pessoa desde que por aqui aportei num longínquo agosto de 1976. Quando aqui cheguei para estudar, tinha acabado de completar vinte anos. Saia de casa pela primeira vez e definitivamente. Estava por minha conta e risco. Aqui estudei, formei, me apaixonei, casei, trabalhei, criei uma família com cinco filhos e uma esposa maravilhosa. Não sei bem como ficaria minha vida sem essa cidade por perto. Sempre gostei daqui. Foi amor à primeira vista. Fiquei deslumbrado com a beleza daqui. O verde, os casarios, a sua história.

Conheci primeiro Camboinha. Vim em janeiro de 1976 veranear. Numa casa perdida no meio do mato e em frente para o mar azul. Foram trinta dias de muito sol, praia e muita diversão. Passei meus primeiros quinze dias de Paraíba enfurnado em Camboinha. Depois é que fui a João Pessoa. E dei-me conta de que estava numa cidade linda. Entrei em João Pessoa vindo de Cabedelo. Pela Epitácio Pessoa. Descendo até a Praça da Independência, passando em frente ao Liceu, a Lagoa. Ai a ficha caiu. Era aqui que eu queria viver uns tempos. Estava achando Caruaru pequena pros meus sonhos. Minha Caruaru, da minha cultura de raiz.

Armei uma fuga para João Pessoa. Escrevi-me no vestibular de Medicina em Campina Grande e fiz a segunda opção para Educação Física em João Pessoa. Tiro e queda. Em agosto eu estava matriculado no UNIPE, que o Cônego Trigueiro estava implantando. Fui morar no Centro Histórico por uns cinco anos. Passei pela General Osório, Visconde de Pelotas, Treze de Maio, Almirante Barroso, Trincheiras. Depois fui morar no João Agripino. Depois pro início do Bessa, depois Cabo Branco. Subi o Altiplano e fui morar no Altiplano do Cabo Branco. Hoje nos Bancários há uns vinte anos. Trinta um anos de peregrinação pela cidade das acácias. Dos meus sonhos e dos meus amores. Aqui fui, sou e serei feliz enquanto dure. Pois aqui vivo em paz comigo e com minha consciência.

Nesses trinta e um anos de Paraíba ajudamos a plantar novas Palmeiras Imperiais na Lagoa, com o Grupo Andarilhos Pés no Chão. Coordenamos urbanizações de favelas pela CEHAP. Participamos da reestruturação e recuperação do CIEF/CODEF pela SEC. Participamos efetivamente da construção do Projeto da Escola Sesquicentenário. Lutamos pela proibição da pesca da baleia em Cabedelo. Exigimos a preservação da Mata do Buraquinho, da Ponta do Cabo Branco e do Seixas. Estávamos na diretoria da AMPEP/SINTEP na redemocratização do país. Fundamos o PT, a CUT, o SAMOPS. Ajudamos na luta pela construção de leis de incentivo a cultura na Paraíba. Plantamos flores, filhos e árvores. Caminhamos por toda a cidade, vivendo e aprendendo com ela. Ainda posso sentir nos pés os restos da areia do Cabo Branco. Amamos muito tudo isso aqui. Por isso que acho que já tenho um felizcidade. Tudo mais é bondade do divino, do sagrado.

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