A crise brasileira é eminentemente moral. Não a moral dos escândalos,
mas a moral que está por traz do discurso de dominação.
Ilustro isso com dois simples e históricos problemas. Um, o dólar
que quando sobe tudo sobe (e quando baixa nada baixa) e outro com as alíquotas
de impostos embutidos em todos os produtos e serviços de forma horizontalizada
numa sociedade estratificada na vertical. Os mais em cima, os da ponta da pirâmide
social, possuem o direito à vista do paraíso na terra. Esse o
marketing moralista dos dias de hoje. Quem tem mais, tem mais cidadania. Isso
é patente.
Mas há quem diga que isso sempre foi assim. E daí pra frente vem
toda uma 'teoria do comodismo', da normose, a justificar que até Deus
é também responsável por tudo isso. É moral o discurso
da educação, da saúde, do trabalho, da segurança
pública. É moral o discurso dos três poderes e de suas forças
armadas até os dentes. É um discurso moral onde a estratificação
fica patente. A hierarquização é a ordem. E aí de
quem se atrever a dizer o contrário. É o poder humano sobre os
humanos, exercido pela força do poder econômico. Que se utiliza
do poder político para se legitimar, se perpetuar no poder que não
pode fazer justiça social. Logo não nos serve.
Incomoda-me profundamente, como membro da sociedade, perceber que se age com
dois pesos e duas medidas para várias coisas diferentes no Brasil de
hoje. Como aceitar, calado sem nenhuma explicação plausível,
que quando o dólar baixa os preços não baixam? Mas quando
ele aumenta aumentam de preço. Por quê? Nem passando Mantega na
sabatina matinal isso fica explicado. E fica a sensação de que
estamos sendo roubados em nossa boa fé, índole, cidadania e recursos.
Direitos e deveres iguais? Os brasileiros cada dia mais possuem mais deveres
e menos direitos.
Outra justificativa que nunca entendi foi a que é dada para o salário
mínimo: 'É mínimo porque é o mínimo?'
Entendeu? Nem eu. Pois para se pagar determinadas e variadas pessoas 'mais iguais'
do que outras, ai pode-se pagar até mais de R$ 100.000.00 mil reais (com
todas as mordomias incluídas). Mas vão explicar que já
foi pior. Pior? Queria ver as autoridades competentes vivendo com apenas um
salário ínfimo de R$ 380,00 reais por trinta e um dias consecutivos
e 44 horas trabalho por semana. Pelo menos uma vez por ano. O salário
do trabalhador brasileiro deveria ser testado pelo Presidente da República
nos seis primeiros meses do seu mandato. E seguir o mesmo exemplo os Governadores
e os prefeitos. Talvez ai, quem sabe, eles tomassem noção do que
é tentar ficar vivo - sobreviver - com apenas R$ 380,00 reais.
Gostaria também de solicitar de alguém mais esclarecido, que nos
explique a justificativa moral e ética de se cobrar imposto de forma
horizontalizada - para todos e de forma igual - quando sabemos que o poder aquisitivo
de cada família, depende da estratificação social em que
ela se encontra. Pois se não, vamos ter que continuar a 'aceitar' uma
atitude abusiva e desumana que é cobrar a mesma alíquota nos preços
dos produtos e serviços para todos e da mesma maneira. Por exemplo: você
acha justo que uma pessoa que ganha R$ 380,00 reais pague os mesmos 40% de impostos
embutidos num quilo de açúcar que uma outra pessoa que ganha dez
salários mínimos?
Volto a repetir o que disse em artigos anteriores: é preciso se fazer
justiça no Brasil. E a boa justiça começa de casa. Assim
diz o ditado popular. É inadiável a reforma tributária
onde fique claro que quem ganha mais paga mais e quem ganha menos paga menos.
Ou não paga nada até ter alguma coisa para pagar. Num país
rico de tudo como o nosso não se admite mais que vivamos nessa pobreza
de atitudes. Chega de se fazer apenas e só 'política'. Política
de interesses, diga-se de passagem. Precisamos renovar a moral brasileira e
respirar um outro ar. Um ar de mais liberdade, de mais responsabilidade, de
mais redistribuição de riquezas e oportunidades. Um ar de inclusão
social como nunca foi visto em nosso país.
Precisamos de uma outra educação. De um outro sistema de saúde
e de uma outra política de segurança pública onde não
se leve apenas em conta à compra de carros, armas, balas e cassetetes.
Uma política de segurança que comece tratando decentemente o seu
quadro efetivo de funcionários, mas que se estenda necessariamente em
distribuição de assistência social decente, com salários
justos também para a população. Segurança Pública
rima com segurança social. Pois está mais do que provado que a
violência maior é a pobreza que a tudo gera. Temos que romper esse
círculo vicioso de miséria que está instalado no Brasil
desde a sua colonização.
A crise é moral sim senhor! Pois pela moral do colonizador, 'um mundo
de brancos', com uma cultura branca, onde o diferente, o diverso de si, é
tratado como uma coisa de segunda categoria. Existe na 'cultura' da cultura
branca certo endeusamento de que o branco é a raça pura (???).
Tremenda besteira. Mas essa besteira se reflete na moral branca de se fazer
uma escola (várias escolas) onde a 'cultura dos diversos' não
é explicada. Explicitada. É 'escola de diversos', só que
com a explicação do colonizador. Olhem as escolas públicas
brasileiras. É uma escola de segunda classe. Até quando?
Na saúde o discurso é muito pior. Só tem mesmo assistência
médica quem tem dinheiro e ponto. Sejamos pragmáticos. O público
na saúde é um SUSplício. E olhe que tem dinheiro por todos
os lados. Só de CPMF já nos tiraram o fígado. Mas nada
funciona direito. É só discurso e conversa fiada. Um fiado que
sai caro, pois a irresponsabilidade que se faz com a saúde do povo brasileiro
é caso de polícia. E não é de agora. É uma
falta de política pública endêmica ao longo de décadas.
Amealham-se fortunas nas costas da falta de saúde brasileira.
É moral a crise por que passamos, pois admitimos que as coisas continuem
como estão. Não vejo - sem moralidade nenhuma - que as coisas
estejam num caminho onde teremos um Brasil mais justo nos próximos dez
anos. Os nossos dirigentes, eleitos (nem sempre por todos de nós), precisam
acordar para a realidade e deixar de fazer apenas 'política partidária'
e fazer um pacto por mudanças profundas no nosso 'que fazer' público.
A sociedade por sua vez, precisa participar mais, se envolver mais. A sociedade
hoje só se envolve com eleições. E isso é muito
pouco. Pouquíssimo.
Evitei até aqui falar de escândalos e falcatruas. Tão em
moda no noticiário brasileiro das últimas três décadas.
Entra um escândalo e sai outro. Parece até cartaz de cinema. Alguns
viraram filmes de verdade. Não acho que o mau exemplo seja ensino-aprendizagem
para ninguém. A raiz do problema está na formação
moral do cidadão. Não na imoralidade do que se quer que seja entendido
como moral. Moral não é status social. A verdadeira moral é
revestida de ética por todos os lados. E se a moral parte de uma ética
indelével não poderá deixar de ser justa. E como justa
fará justiça. E justiça seja feita, o Brasil anda muito
desigual.
Cansei-me dos discursos (e alguns me acusarão de estar fazendo um). Mas
temos que dizer o que pensamos. E por quem dobramos nossos sinos, signos e sinais.
A comunicação é o que nos tem salvado das catástrofes
da super população. Pergunte a qualquer um operador de trânsito,
em qualquer sistema de deslocamento que você queira. A comunicação
e a bondade é o que nos resta. Pois até a ideologia tomou partido.
E hoje serve ao discurso do chefe de plantão. E tem cor, cara e brasão.
Mas o povo continua a olhar pro chão.
Até quando?