Quando se chega aos cinqüenta anos, chega-se na metade da vida. Pelo menos
na primeira metade. É um feito nos dias de hoje, depois de conseguir
sobreviver a tantos governos. Vindo de família simples, tinha tudo pra
morrer nos primeiros cinco anos. Escapei de pestes, acidentes, abalos sísmicos
e bebedeiras. Fiz de tudo um pouco nessa primeira metade da vida e aqui cheguei.
No topo do meu Everest. Agora contemplo ao meu redor e vejo longe. Missão
cumprida! Em parte, faltam os outros cinqüenta. Agora é se preparar
para a descida.
Dizem que tudo que desce, já está meio caminho andado. É
hora de curtir a passagem, rever os espaços, refazer os laços
e só levar o estritamente necessário. O objetivo é chegar
lá embaixo desprovido de toda a bagagem da viagem. Deixar aqui o que
é daqui e apenas levar o que nos servirá no outro lado da montanha.
Lá de cima, do meu Everest, percebi muitas coisas. E uma delas foi de
que para valer a pena a subida ao pico mais alto de cada um, tem que valer a
viagem. Não pode ser um sacrifício. Um peso morto carregado nas
costas. Temos que subir com nossas próprias pernas ou ficamos a contemplar
a mesmice da falta de ousadia. Precisamos querer.
Descer é se aprofundar no caminho. Caminho já percorrido e que
muitas das vezes se tirou as lições erradas. Agora é dever
fazer o certo e não pisar em seixos escorregadios. Olho vivo na paisagem,
com os pés no chão. É bom ter uma corda de segurança,
como um cordão umbilical ligado no nascedouro da vida. É hora
de contemplação e crescimento. É hora de se retirar para
se preocupar com coisas bem mais sérias que apenas pose, posses, egos
desvairados por títulos, colunas e calúnias sociais. Na descida
todo conhecimento ajuda. Principalmente quando já se sabe aonde vai.
Agradecer sempre todas as portas abertas e fechadas. Todas as alegrias e as
tristezas. Todos os gestos de benevolência e de intolerância. Na
volta nos recordamos de quem realmente somos. E somos tantas coisas em tantos
papeis que minha parede poética fica cheia de pergaminhos escritos, pregados
como instinto, no varal da vida. Daqui, do topo do meu Everest, o ar é
puro e as águias voam no horizonte. Agradeço a Deus por mais essa
existência humana. Agradeço por contemplar toda essa imensidão
que somos e que podemos ser. Vou descer devagar. Sem pressa. Acender todas as
fogueiras que puder. Deixar todas as sinalizações que me for possível.
Deixarei também, por onde passar a noite, fugindo do frio ou das tempestades,
do tempo, um pouco de sal, arroz e fósforos para clarear o caminho. Acender
a fogueira, o fogão da vida.