A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Rádio MEC setentona

(Artur da Távola)

1955. Eu era universitário de Direito, apaixonado por literatura, cinema e rádio. Cá entre nós, tratava mais desses três tópicos que de estudar, embora gostasse de Direito Penal (por causa da literatura e do cinema) Mau aluno, eis a verdade. Num sábado à tarde depois da soneca, fiquei a bestar na cama. Adorava (como até hoje) deixar o pensamento fluir livremente. De repente um estalo. Vou à Rádio MEC propor um Programa Universitário. Tímido embora, cheio de mágica intuição, fui e falei ao Diretor Fernando Tude de Souza, que me disse "Só se você me prometer, que não se cansará logo da idéia, como é freqüente entre estudantes". Com firmeza lhe disse, exultante: "Espere e verá!. O programa durou quatro anos comigo e mais dois com o hoje grande psicanalista João Paulo dos Santos Gomes. E no ano seguinte, 1956 , ao final, fui nomeado locutor-redator. O João Paulo também foi feito funcionário logo depois.

Agora as felizes sincronicidades. Tenho 70 anos. Agora em setembro, com muitas festividades, todas culturais, a Radio MEC faz a mesma idade. Trabalho lá, há 50 anos, e sou o mais antigo dentre todos os seu servidores.. E ainda o mesmo entusiasmo daquele rapaz de 1955.

Teria muito a contar mas o assunto não se refere a mim, mas ao milagre dessa emissora, agora duas (AM - FM ). Só falo de mim para validar o testemunho da qualidade desta emissora de resistência, a fidelidade às idéias de Roquete Pinto firmadas em 1923, as de dar educação e cultura pelo rádio. E até agora nada e ninguém, nem um diretor louco durante a ditadura que proibiu se tocasse música russa... e um, depois dele (ainda na ditadura), que queria acabar com a música chamada clássica "para dar mais audiência"...., ninguém conseguiu destruir a chama sagrada dessa setentona hoje inteiramente atualizada com o século 21. A outra emissora de resistência cultural no Rio e que poderá dizer o mesmo quando fizer vinte anos e mais décadas é a MPB FM 90,3. Esta, teve a coragem de se dedicar, mesmo no rádio comercial a uma programação de MPB da melhor qualidade sem perda de valor mercadológico ao lado do cultural, verdadeiro milagre no esgarçado espectro radiofônico Fluminense. Posso ainda citar pelos menos metade da programação atual da velha Rádio Nacional AM. Também resiste.

O mais difícil numa emissora como a MEC é conseguir locutores, produtores, apresentadores, programadores, discotecários e administradores preparados para a hercúlea tarefa de educar, levar cultura, fugir do colonialismo cultural sem perder contato com a universalidade e a diversidade sempre a buscar despertar e ampliar os condutos da sensibilidade dos ouvintes. Ao longo dos anos foi formando esse pessoal ali mesmo, na prática, pois não há escola que ensine essas m especialidades. Hoje, a sua FM tem nível de primeiro mundo e a AM reage bem a uma longa letargia. Nesses 50 anos de amor à Radio MEC, com exceção do tempo da ditadura no qual de lá fui cortado para voltar com a Anistia (sem receber os atrasados..), pergunto-me a cada dia, qual o mistério que anima a quem lá trabalha, e o faz amar a emissora. Creio ser a felicidade de cumprir integralmente a idéia e o prazer de dizer a si mesmo/a, com orgulho sadio: "Lá eu presto um serviço público de valor, num País carente de Cultura.

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