Hoje é um dia especial para mim: faço setenta anos de idade e
trinta, interiormente. Mas as coincidências da data não param aí.
Completo dezoito anos de crônicas neste jornal; cinqüenta e dois
anos de trabalho, desde os 18 anos, que o jornalista Marcial Dias Pequeno (a
quem sempre fui e serei grato) conseguiu-me o primeiro emprego em 1954. Faço,
ademais, cinqüenta anos de trabalho (com a interrupção durante
a ditadura) de minha atividade como radialista na Rádio MEC, no mesmo
ano em que ela empata comigo e também faz setenta anos, desde que Roquete
Pinto doou-a ao Poder Público, para que ela observasse (observa) a máxima
"Pela Cultura dos que vivem em nossa terra, pelo progresso do Brasil".
Setenta anos, três filhos e duas filhas do coração, dois
casamentos, sete netos, fui um ser dividido entre dar uma contribuição
à luta contra a miséria e pela justiça com liberdade, que
me levou à política, e um temperamento artístico que me
temperou para a literatura, o rádio e a TV. Foram vinte anos de Parlamento,
quatro de Deputado estadual, quatro de exílio, dois mandatos de deputado
federal e um de Senador. Participei da fundação de um Partido
Político, tenho vinte e quatro livros publicados e um e-book na internet.
Muitas árvores plantadas. Amor dos meus, de desconhecidos pessoalmente,
mas irmãos de alma. Capricorniano, sempre lutei lealmente. Nunca fui
de briga. Sempre fui e sou, isto sim, de luta. O coração já
deu alguns sinais de cansaço, mas o gosto de viver, uma cabeça
limpa e o agradecimento diário e permanente a Deus pela vida e o mundo,
e a meus ancestrais, pela vida, fazem-me um idoso feliz. Trabalho no que gosto.
Jamais me sobrou dinheiro, nem jamais faltou para uma vida regrada e simples.
Muito já caminhei: orfandade paterna na infância, colégio
interno, CPOR na Cavalaria, Universidade, política, Constituinte de 1987,
exílio na Bolívia e no Chile, AI-5 no Brasil, jamais fui herói
nem vilão, mas lutei pela democratização dentro da frente
legal, tenho o respeito das pessoas, amanho amigos queridos, trabalho naquilo
de que gosto. Fiz política por dever, escrevo por prazer. Mais de sete
mil crônicas e de trezentas palestras. Algum tempo como professor e crescente
capacidade de ver e admirar a beleza da vida. Com uma espingarda imaginária,
já eliminei quase todos dos não muitos ressentimentos. Considero
que a vida possui três segredos de felicidade: capacidade crescente de
compreender, saber em profundidade o que é compaixão, e gratidão
permanente por viver. E a grande conquista humana é transformar a sua
vida em expressão de seu ser.
Muito amor para dar e receber. Vontade de prosseguir até papai do céu
determinar em contrário, ter a capacidade de trabalho da qual fui dotado,
havendo nascido com um grande amor (irrealizado) à preguiça e
ao ócio criativo.
E, para concluir essas bênçãos, o jornal ainda por cima
me dá férias em janeiro. Não é um presentão?
Até a volta em fevereiro, claro, se Deus quiser.
(texto publicado em 3 de janeiro de 2006 - se estivesse vivo hoje Artur da Távola estaria completando 74 anos)
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |