A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Todos os Santos e Finados

(Artur da Távola)

Amiga minha ficava a se sentir culpada no dia de Finados por não ir ao cemitério visitar seus pais e uma irmã, enterrados em lugares diferentes. Veio me perguntar por quê o sentimento de culpa. Como também o tenho e defendo que a gratidão aos pais deve ser permanente, diária, ainda que seja pelo simples fato de nos terem legado a vida, como diz a Seicho-No-Ie. Fui ver os livros, sempre sábios. A verdade é que quando depois de muito tempo visitei e orei diante do túmulo onde jazem os ossos de meus pais e minha irmã, misteriosamente minha vida melhorou deveras. Não no sentido material, mas no interior, felicidade, qualidade de vida, paz. Pois desde aí, o assunto passou a me desafiar e hoje (inclusive agora) agradeço, várias vezes por dia a vida que os pais me concederam e o milagre de um nascimento que foi filho do amor. Aprendi também, duas coisas que aos quase setenta anos não sabia e tem, segundo a Igreja Católica, uma definição: é que o dia de Todos os Santos, por quase ninguém lembrado (hoje nem feriado é) destina-se a uma forma de reflexão e oração e o seguinte, ou seja, o de Finados, a outra. E ambos se referem aos mortos. E sem terror. Talvez nem seja necessário ir ao cemitério e viver o ritual de dor e saudade renovadas, pois ambos festejam a esperança. A concepção é belíssima: Vejam o que diz em perfeita síntese, o estudioso A. de França Andrade em seu livro “Cada Dia Tem seu Santo”- Editora ArtPress acerca do dia 1º de novembro, o de Todos os Santos:

”Neste dia é celebrada a Igreja Triunfante, constituída por todos os bem-aventurados que salvaram sua alma e estão no Paraíso, na posse da visão beatífica de Deus. Os inumeráveis heróis anônimos, na sua imensa maioria esquecidos pelos demais homens e pela História, que ao longo dos tempos foram passando desta vida para a Eternidade em estado de graça, e pelos méritos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo foram sendo admitidos no Paraíso, todos esses, embora esquecidos na terra, são santos e são honrados pela Igreja neste dia”

Já para o Dia 2, considerado o dos mortos, as orações são carregadas de esperança e vida. Vejam o que diz o mesmo autor:

“Depois de ter celebrado, no dia 1° deste mês, seus filhos admitidos à Glória eterna, a Igreja, mãe compassiva e misericordiosa, recorda hoje aqueles que já salvaram suas almas mas ainda não puderam entrar no Paraíso, por estarem se purificando no Purgatório. Ela incentiva os fiéis a rezarem por essas almas padecentes e abre com liberalidade, em benefício delas, os tesouros de suas indulgências.”

Dá, assim a Igreja Católica em sua inteligência, a nobreza de uma reflexão profunda para o que chama de “bem-aventurados e inúmeros heróis anônimos na imensa maioria esquecidos pelos demais”, ou seja, seres humanos de vida elevada e por isso santa mesmo sem beatificação eclesiástica ou aplausos humanos. É muito profunda essa idéia. Todos os santos não são apenas os canonizados. É perfeita a observação. A elas oração, pensamento. gratidão, respeito. Comove-me essa ampliação do conceito de santidade. E no dia seguinte (02), não fala em morte, mas nos que puderam salvar as suas almas através da purgação dos erros desta vida e, portanto, merecem a paz graças aos tesouros da indulgência (e introduz o conceito de indulgência), o que nos faz sentir um Deus não punitivo mas Pai de infinita bondade.

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