A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O Incêndio da Casa das Palmeiras

(Artur da Távola)

Domingo, três de setembro. Ao amanhecer, a maior parte da Casa das Palmeiras, obra reconhecida nacional e internacionalmente, fundada pela Dra. Nise da Silveira, sofreu um incêndio que lhe consumiu quase toda a parte superior. Lá estavam os ateliês de terapêutica artística e um acervo de cinqüenta anos de desenhos, pinturas, gravuras, artesanato, biblioteca, acervo este que serve de material de estudos e da evolução na terapia de esquizofrênicos tratados com métodos atualmente modernos mas pelos quais, durante mais de cinqüenta anos a Dra Nise da Silveira, teve que lutar qual leoa. Não mais choques elétricos ou sedativos cavalares com o paciente longe da família e, sim, uma terapia baseada na atividade artística voluntária, acompanhada por especialistas e do amor no sentido de recuperação da auto-estima destroçada em algum momento das suas dolorosas vidas.

É uma perda irreparável, não apenas de valor material, mas principalmente imaterial, porque de altíssimo valor psiquiátrico, medicinal, antropológico e cultural. 50 Anos!... Segundo os bombeiros há três pontos que indicam haver sido o incêndio induzido criminosamente. A polícia também lá esteve, a imprensa, e alguns amigos e dirigentes da Casa, este, todos voluntários. A Casa das Palmeiras é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos. E nos últimos anos vem lutando com dificuldades. Durante a vida da Dra. Nise mantinha-se graças à ajuda de artistas, empresários, estatais e de doações particulares. Com a sua morte em finais da década de 90, a luta continuou, porém mais difícil.

Se antes a Casa das Palmeiras precisava de alguma ajuda mas sobrevivia e cumpria seu desiderato, hoje precisa ser refeita. Lá ou em outro lugar. Nós, dirigentes voluntários, firmamos no domingo o compromisso de lutar por isso. Haveremos de reiniciar tudo, agora sem 95 por cento do acervo e no momento sendo obrigados a deixar os clientes sem o tratamento diário, nos moldes a que estão acostumados, por falta de lugar enquanto se recupera praticamente toda a parte superior, já que o acervo, este, desgraçadamente, é cinza. É terrível ver cinqüenta anos de trabalho transformar-se em cinzas por causa de um incêndio com características de provocado. Revolta pensar: quem foi capaz de cometer tal perversidade? Por quê? Para quê? Qual a motivação? Por certo a polícia ajudará a esclarecer, pois até um coquetel "molotov" foi encontrado dentro do que restou da Casa das Palmeiras.

Quando uma instituição de alto valor científico e humano é destruída dessa maneira, a gente encontra mais um motivo para aumentar as desilusões com a hora presente no Brasil (e no mundo). E conclui que os verdadeiros enfermos estão é cá fora.

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