A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Os cariocas, sessenta anos

(Artur da Távola)

Desculpem falar na primeira pessoa. Domingo último vivi uma noite de felicidade bem carioca, muito Ipanemense, bairro onde nasci em 1936, (faz setenta anos) e ao qual vi modificar-se, crescer e no qual fui criança calada e rapaz feliz e saidinho. Lembrou-me quando fazia política eleitoral e amigos dos subúrbios convidam-me para um almoço nas ruas calmas da zona norte e juntavam dezenas e até centenas de amigos e era comer bem, conviver em paz com pessoas queridas e lamentar ter outros compromissos a seguir. Vontade de ficar ali o resto da tarde, pelo carinho, apoio sincero e convivência amena.

Pois assim foi domingo último ao ver, ouvir viver e conviver em plena calçada da Rua Vinicius de Moraes, organizada por essa verdadeira ONG da cultura brasileira que é a Toca do Vinícius, ver, ouvir viver e conviver com, eu dizia, o conjunto Os Cariocas que estão a comemorar, pasmem,60 anos de existência, um recorde absoluto em durabilidade de conjuntos!

A solenidade consistia primeiro na aposição das mãos de um Ipanemense histórico, na placa de cimento da calçada da fama. Vi o quanto ele se emocionou com esse reconhecimento e ficou grato lá no fundo. E gratidão é um sentimento que me comove por ser raro. Com a dele, a emoção já tomara conta de mim. Aí começou o show de Os Cariocas. Maravilha! Aqueles músicos afinadíssimos, acostumados ao silêncio dos estúdios, refinados em harmonia e rítmica, a tocar e cantar em dissonâncias e sonâncias para centenas de pessoas concentradas na calçada, buzinas, ônibus na rua sem engarrafamento, alguns vizinhos da Toca com cadeiras de praia, uma menina de 82 anos a sair da imantada e informal platéia e a dançar bonito, sozinha e feliz.

O maestro Severino Filho é um mago. Fazia bossa nova antes da dita e era pouco compreendido, anos luz à frente dos demais. Foi sendo assimilado e é a meu ver, hoje, uma glória musical brasileira. Em sessenta anos de vida, Os Cariocas, conjunto fundado pelo irmão de Severino o compositor e homem de rádio, alto talento, co-autor da Valsa de Uma Cidade (com o Antonio Maria), Ismael Netto tiveram dois baques. A morte prematura de Ismael e uma passageira dissolução anos depois. Severino então um rapaz tomou a frente do Conjunto, chamou a irmã para fazer a primeira voz (ela estava lá e cantou muito bem) e nesses sessenta anos Os Cariocas são marca da alta categoria internacional da boa música popular do Brasil. Estava, presentes a filha de Severino, a bela e talentosa atriz Lúcia Veríssimo que fez uma linda fala de amor ao pai, a cantora Cláudia Telles, filha da pioneira Sylvinha Telles, e afinadíssima, o Badeco que cantou anos em Os Cariocas, o violonista Chiquito Braga, um dos maiores no gênero; a revelação de cantora Renata Arruda.

Foi uma noite encantatória. Bem carioca. Justa homenagem a esse conjunto a quem agora também saúdo publicamente. Todo mundo saiu feliz. Tudo de graça e na calçada. De parabéns a Toca do Vinicius e seu animador o Professor Carlos Alberto. Isso é vida comunitária.

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