Desculpem falar na primeira pessoa. Domingo último vivi uma noite de
felicidade bem carioca, muito Ipanemense, bairro onde nasci em 1936, (faz setenta
anos) e ao qual vi modificar-se, crescer e no qual fui criança calada
e rapaz feliz e saidinho. Lembrou-me quando fazia política eleitoral
e amigos dos subúrbios convidam-me para um almoço nas ruas calmas
da zona norte e juntavam dezenas e até centenas de amigos e era comer
bem, conviver em paz com pessoas queridas e lamentar ter outros compromissos
a seguir. Vontade de ficar ali o resto da tarde, pelo carinho, apoio sincero
e convivência amena.
Pois assim foi domingo último ao ver, ouvir viver e conviver em plena
calçada da Rua Vinicius de Moraes, organizada por essa verdadeira ONG
da cultura brasileira que é a Toca do Vinícius, ver, ouvir viver
e conviver com, eu dizia, o conjunto Os Cariocas que estão a comemorar,
pasmem,60 anos de existência, um recorde absoluto em durabilidade de conjuntos!
A solenidade consistia primeiro na aposição das mãos de
um Ipanemense histórico, na placa de cimento da calçada da fama.
Vi o quanto ele se emocionou com esse reconhecimento e ficou grato lá
no fundo. E gratidão é um sentimento que me comove por ser raro.
Com a dele, a emoção já tomara conta de mim. Aí
começou o show de Os Cariocas. Maravilha! Aqueles músicos afinadíssimos,
acostumados ao silêncio dos estúdios, refinados em harmonia e rítmica,
a tocar e cantar em dissonâncias e sonâncias para centenas de pessoas
concentradas na calçada, buzinas, ônibus na rua sem engarrafamento,
alguns vizinhos da Toca com cadeiras de praia, uma menina de 82 anos a sair
da imantada e informal platéia e a dançar bonito, sozinha e feliz.
O maestro Severino Filho é um mago. Fazia bossa nova antes da dita e
era pouco compreendido, anos luz à frente dos demais. Foi sendo assimilado
e é a meu ver, hoje, uma glória musical brasileira. Em sessenta
anos de vida, Os Cariocas, conjunto fundado pelo irmão de Severino o
compositor e homem de rádio, alto talento, co-autor da Valsa de Uma Cidade
(com o Antonio Maria), Ismael Netto tiveram dois baques. A morte prematura de
Ismael e uma passageira dissolução anos depois. Severino então
um rapaz tomou a frente do Conjunto, chamou a irmã para fazer a primeira
voz (ela estava lá e cantou muito bem) e nesses sessenta anos Os Cariocas
são marca da alta categoria internacional da boa música popular
do Brasil. Estava, presentes a filha de Severino, a bela e talentosa atriz Lúcia
Veríssimo que fez uma linda fala de amor ao pai, a cantora Cláudia
Telles, filha da pioneira Sylvinha Telles, e afinadíssima, o Badeco que
cantou anos em Os Cariocas, o violonista Chiquito Braga, um dos maiores no gênero;
a revelação de cantora Renata Arruda.
Foi uma noite encantatória. Bem carioca. Justa homenagem a esse conjunto
a quem agora também saúdo publicamente. Todo mundo saiu feliz.
Tudo de graça e na calçada. De parabéns a Toca do Vinicius
e seu animador o Professor Carlos Alberto. Isso é vida comunitária.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |