Manoel Carlos não deveria escrever telenovelas. Deveria ser professor
de todos os que as escrevem e os que pretendem fazê-lo. Daria um curso
gravado, que seria repartido por alunos, escritores e candidatos a autores,
universitários de letras e comunicação. Em DVD, as aulas
ficariam para sempre.
Em Páginas da Vida, no auge de sua criatividade, Maneco está a
abordar, com valor, sabedoria e coragem, os seguintes temas, entre outros: crianças
e adolescentes com síndrome de Down; a tragédia da África
e a indiferença com que o mundo a trata; os dramas internos de uma família
grande conduzida por este ser complexo que é um pai ao mesmo tempo autoritário,
mas bom de caráter e coração; o deserto de sentimentos,
a agressividade e a indiferença pela dor alheia que a vida moderna pode
gerar em algumas pessoas. E vários outros subtemas de valor ético
e visão humanista.
Só espero que, entrando a novela em velocidade de cruzeiro, como sempre
acontece, ele não seja pressionado pelas pesquisas a mexer na trama,
acabando por resvalar para o inverossímil ou o enlouquecimento da história..
Li por aí algumas reportagens, inclusive entrevistas dele, que me assustaram.
Mas o caso do abandono covarde, do preconceito ou da adoção amorosa
de uma criança com Síndrome de Down todas as noites me traz reflexões
antigas sobre esse ser especial que é a pessoa diferente. E diferente,
para mim, não é apenas quem sai da chamada normalidade física.
Existem os interiormente diferentes (poetas, pintores e músicos em geral).
Dizia eu que a carga de preconceitos vários é tão grande,
quando a diferença é de natureza física, que ali se instala
uma das maiores fontes de sofrimento humano.
O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações, os quais
acaba incorporando. Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram
(e se transformam) nos seus grandes modificadores. Diferente é o que
vê mais longe do que o consenso. O que sente, antes mesmo dos demais começarem
a perceber. Diferente é o que se emociona, enquanto todos em torno agridem
e gargalham. É o que engorda mais um pouco; chora onde outros xingam;
estuda onde outros burram. Quer onde outros cansam. Espera de onde já
não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre sonhadores. Fala de
leite em reunião de bêbados. Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham. Os diferentes aí estão: enfermos,
paralíticos, anões, portadores de síndrome de Down, machucados,
engordados, anoréxicos, inteligentes em excesso, bons demais para aquele
cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande,
de roupas erradas, cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba.
Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo Ser.
A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem
moradas deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir e
entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana. De que só
os diferentes são capazes.
Jamais mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente
forte para suportá-lo (o amor) depois.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola?![]() O Jugo das Palavras |