A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Pai, pai, beijo, beijo

(Artur da Távola)

Ser pai é acima de tudo, não esperar recompensas.
Mas ficar feliz caso e quando cheguem.
É saber fazer o necessário por cima e por dentro da incompreensão.
É aprender a tolerância com os demais e exercitar a dura intolerância (mas compreensão) com os próprios erros.

Ser pai é aprender errando, a hora de falar e de calar.
É contentar-se em ser reserva, coadjuvante, deixado para depois. Mas jamais deixar de falar no momento preciso. É ter a coragem de ir adiante, tanto para a vida quanto para a morte. É viver as fraquezas que depois corrigirá no filho, fazendo-se forte em nome dele e de tudo o que terá de viver para compreender e enfrentar.

Ser pai é aprender a ser contestado mesmo se no auge da lucidez. É esperar e saber que experiência só adianta para quem a tem, e só se tem vivendo. Portanto, é agüentar a dor de ver os filhos passarem pelos sofrimentos necessários, buscando ampará-los sem que percebam, para que consigam descobrir os próprios caminhos.

Ser pai é saber e calar. Fazer e guardar. Dizer e não insistir.
Falar firme sem tentar convencer.. Dosar e controlar-se. Dirigir sem demonstrar. É ver dor, sofrimento, vício, queda e tocaia, jamais transferindo aos filhos o que lhe corrói a alma. Ser pai é ser bom sem ser fraco. É jamais transferir aos filhos a quota de sua imperfeição, o seu lado fraco, desvalido e órfão.

Ser pai é saber ir-se apagando à medida em que mais nítido se faz na personalidade do filho, sempre como influência, jamais como imposição. É saber ser herói na infância, exemplo na juventude e amizade na idade adulta do filho. É saber brincar e zangar-se. É formar sem modelar, ajudar sem cobrar, ensinar sem o demonstrar, sofrer sem contagiar, amar sem receber.

Ser pai é atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio.
O máximo de convivência no máximo de solidão.
É, enfim, colher a vitória exatamente quando percebe que o filho a quem ajudou a crescer, já dele não necessita para viver.
É quem se anula na obra que realizou e sorri, sereno, por tudo haver feito para deixar de ser importante.

Mas inesquecível.

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