A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Lua de Fel em Páginas da Vida

(Artur da Távola)

O ótimo Manoel Carlos escreveu uma nova novela que basicamente se refere ao conflito entre o impulso sexual e o amoroso. Ele foi criticado injustamente por uma cena de lua de mel apresentada com muito mais delicadeza e sutileza do que grande parte de cenas de sexo, nas demais novelas. Mas o Manoel Carlos, eu dizia, dá um grande poder de iniciativa e comando sexual e amoroso às mulheres da novela, personagens quase sempre mais fortes que os masculinos, até aqui uns bobocas. Mas o importante é a discussão do tema da sexualidade em conflito com costumes em voga, ainda e sempre conservadores. No caso de Páginas da Vida, não vejo mau gosto nem imoralidade. Já na novela das sete.....

Volto ao tema:

O impulso sensual não tem lógica nem é subordinado a qualquer mecanismo moral. As pessoas que o sentem, estas sim, podem ou não dar-lhe vazão ou reprimi-lo, segundo o seu código moral. O impulso, em si, não é moral ou imoral. Ele é natural. Se é natural, pode até estabelecer um código ético em torno de sua verdade. Se é verdadeiro, representa a vontade maior do Mistério e, como tal, é superior a nós, logo, ético. Mas se - por outro lado - o impulso entregue a si mesmo gera lutas, crimes, etc., ele vem carregado de aspectos negativos que precisam igualmente ser considerados como verdades da natureza ética. Tudo depende da sociedade, do nível de cultura, de compreensão, etc.

Qual a verdade, portanto, a ser respeitada: a da natureza ou da organização social, humana, legal, religiosa?

Tal conflito não tem solução nem resposta, embora cada pessoa encontre modos de comportamento dentro dos quais aceita a limitação e o recalque de algumas de suas verdades mais fundas ou, então, não recalca os impulsos e vem a viver, depois, culpas dilacerantes. É uma culpa que independe de nós. Que existe inerente ao ser humano. Pecado original, talvez. Somos seres condenados à culpa. Por fazer ou por deixar de fazer...

A tentativa de solucionar o conflito, feita, em geral, com a supressão de um de seus pólos, é amputação grave demais, cujas conseqüências são tão dolorosas quanto a constatação da inexistência de solução. Assim é a vida: novas dores brotam de cada solução: porém sem tentar solucionar pelo menos parcialmente os graves impasses que moram nos conflitos não conseguiremos viver com um mínimo de paz. E vida sem paz não é vida. E é por causa disso tudo que existe a literatura e a dramaturgia, no fundo a mesma coisa.

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