A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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No Botequim da Copa II

(Artur da Távola)

Chego ao Cantinho do Leblon pois sexta feira é dia de rabada, esperando encontrar a turma. Ninguém. Devem estar de ressaca por ontem, penso. E de imediato vejo em mesa do fundo, meu amigo Paulo Alberto, bom sujeito, metido a entender de futebol, cabra um pouco convencido. Ele está a falar sozinho. Vê-me e chama. Eu:

1) Falando sozinho?

2) É. Detesto almoçar a sós, você me salvou. Mas tenho um problema: já não estou mais gostando de falar sozinho. Depois de velho dei para concordar demais comigo mesmo. Isso não me estimula.

1) E a Copa?

2) O melhor da Copa é esperar por ela. Ganhá-la ou perdê-la é contingência, acaso, mistério. Daí o seu encanto. Futebol não é equação perfeita. Nem ciência infalível.

1) Mas ontem jogamos bem, vamos convir.

2) Jogamos bem como poderíamos ter jogado mal e ganhar e ter jogado bem e perder.

A imprensa faz escândalo e espetáculo de tudo. Até gente super bacana como o Aldir Blanc que é genial na MPB adora só ver o negativo do Brasil. Ou o Bial, um rapaz inteligente que só fazia na tevê crônicas hostis à seleção ontem à noite já estava a dizer, agora sim. Agora sim. Ora, o Brasil jogou bem como nos dois jogos anteriores. O Ronaldo passou de bonde velho a fenômeno outra vez e o gaúcho, "de maior do mundo" a perna de pau. A crônica futebolística é igual ao torcedor: volúvel qual pluma ao vento, como diz a ópera.

1) Você está pessimista. Acha que vamos perder de Gana, quiéisso ô Paulinho?

2) Eu não acho coisa alguma. "Quem acha vive se perdendo" já sentenciou o sábio Noel Rosa. Em nossa mídia é tanto achismo, mas tanto achismo, que não deixam espaço para realidade falar. Sou reverente à realidade. O que ele me trouxer será sempre a vitória do novo sobre o repetitivo. Isso faz a realidade sempre mais rica que nossas pobres verdades.

1) Pô, Paulo Alberto: já vi que sua mania de filosofar desde a juventude, continua de pé.

2) Mais que nunca, Távola. Mas tem uma: amo a realidade e suas lições, mas torço paca pelo Brasil.

1) Lembra nos tempos da faculdade quando você tinha a mania de citar agora não me lembro qual santo que escreveu: " Deus não escolhe os capacitados. Deus capacita os seus escolhidos"? Lembra?

2) É isso mesmo, Artur! Que memória, a sua! "Deus não escolhe os capacitados. Deus capacita os seus escolhidos." Obrigado, cara! Agora já tenho assunto para falar sozinho neste ostracismo em que vivo. Senta aí. Vamos almoçar juntos.

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