Apesar de a telenovela Belíssima ser atraente, a sua trama é muito
doida. Verdade que a carga de suspense de cada capítulo é dosada
com perfeição, mas há certas situações que,
de tão absurdas, dão vontade de chorar pela falsidade da situação
ou das coincidências. Salva-a a qualidade da maioria dos atores e atrizes.
Chega a ser impressionante a carga emotiva e os contornos que conseguem dar,
sem ficar falsos, nas cabriolas da história. E cada capítulo ferve.
Novela é capítulo: um gole duplo de dramaticidade e espetáculo
a cada dia. Temos, então, uma contradição responsável
pelo sucesso do gênero. Histórias absurdas, com personagens interessantes,
muito bem interpretados por atores e atrizes de alta qualidade, e diálogos
via de regra bem escritos. Resulta um produto inusitado na história da
dramaturgia. Mas já está na hora de os autores deixarem de repetir
esquemas de anos e anos como fórmula, só mudando os personagens
e os atores, porém mantendo os mesmo ganchos e desfechos, além
do velho maniqueísmo do bem contra o mal, em que os bons são perfeitos
e os maus terrivelmente cruéis. Nos anos 70 e ainda 80, as obras de Dias
Gomes, Cassiano Gabus Mendes, Bráulio Pedroso, Jorge Andrade, Lauro Cesar
Muniz, Ivani Ribeiro, Gilberto Braga e alguns outros não repetiam os
mesmos ganchos: o mito da Cinderela. Mocinho rico, mocinha pobre. Mocinho pobre,
bom e bonito, mocinha rica, prometida em casamento a algum outro ricaço
do seu nível econômico, mas que se apaixona pelo pobretão
bom caráter.
Há um mês, numa entrevista com exageros inesperados na boca de
um homem tão inteligente, o grande Lima Duarte rasgou o verbo contra
os modelos repetidos em todas as telenovelas. A entrevista inteira possui verdades
ao lado de trechos injustos, principalmente com o Toni Ramos. Tomara que suas
palavras e a experiência de décadas sacudam os autores de telenovelas.
Não dá para escrever histórias semelhantes na trama, com
personagens até interessantes, atores e atrizes de primeira, mas com
formatos que não variam e de olhos postos no Ibope. E isso vai piorar,
agora que a concorrência no gênero (recém surgida com vigor
em outros canais), chega a ameaçar a hegemonia da Globo pela primeira
vez em muitos anos.
O caso de Belíssima é típico: possui todos os chavões
do gênero. Um elenco do balacobaco, ótimos personagens, um autor
experiente, inverossimilhanças abissais, absurdas até, idem coincidências,
e a danada da trama nos prende a atenção e nos envolve em seu
fascínio... Contradição, não é? Também
acho. Pois assim é o fenômeno do folhetim. A gente fala, reclama,
aponta falhas, mas diariamente está lá, de olhos postos naqueles
atores notáveis, e presos pela trama. Mistérios.
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