A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O remédio boca livre

(Artur da Távola)

No Brasil é assim. Entra um celular no presídio, depois outro, ao fim de um mês há quarenta. Explode uma rebelião. Mortos, reféns, patrimônio público queimado. A imprensa e os políticos gritam e deblateram por dez dias. Passam-se mais vinte. Silêncio total. Medidas severas foram tomadas. Penitenciárias sem celular.

Aí se passam mais trinta dias e entram outros dez celulares. Aos 45 dias, já são quarenta. Dois meses depois, outra rebelião, incêndio, reféns e, alguns dias depois, antes ainda da deposição das armas nas penitenciárias, algumas unidades da Febem estão a fazer o mesmo, com incêndios, vítimas e fuga de menores nunca devidamente contabilizadas. Assim é, em tudo. Vivemos de surtos. E de sustos.

Pois o mesmo acontece com a propaganda de remédios na televisão. Chegou a ser proibida. Aí argumenta daqui e dali. O Conselho de Auto Regulação da Propaganda (Conar) começa durão. Mas, pouco a pouco, e com grande habilidade das agências, novas medicações vão sendo infiltradas e quem prestar atenção verificará que, fora de Copa do Mundo, Supermercado e Casas Bahia, a televisão é uma verdadeira farmácia visual e virtual, com uma infinidade de remédios que aparecem com uma frase cínica: "Se os sintomas persistirem um médico deverá ser avisado". Quanta "bondade"! Que "cautelosos" são!

Contudo o máximo do cinismo aparece nos chamados antigripais, onde ocorre uma briga de foice por provar "cientificamente" quem tem mais ingredientes dentro de um só comprimido. Aqui o tema se torna ainda mais grave. Além da famosa frase citada acima, aparece em letras (e não de modo sonoro e, portanto, os analfabetos não tomam conhecimento...), aparece, repito, por escassos segundos, um cartão com esta preciosidade: "Em caso de dengue este remédio não é aconselhado". Ou: "não tomar em caso de dengue". Aqui, chego a me ajoelhar em gratidão. Como cuidam da nossa saúde!

Ora, o dengue tem sintomas parecidos aos da gripe. Precisa de diagnóstico médico. E, se o remédio é para gripe, a vítima, influenciada pela propaganda dos antigripais, supondo ser gripe o seu mal, já tomou pelo menos uma cartela dos tais remédios que não são indicados (porque perigosos) em casos de dengue.

É igual ao celular. Entra um, depois dez, logo adiante já são trinta anúncios por dia. E são mais remédios para enfermidades mais sérias. Nenhum controle da Anvisa, que está sempre em greve... Nem do Conar.

E nós... Ó.

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