O Fantástico cometeu dois erros sérios em matéria de
domingo último, porém não pode ser criticado de modo ligeiro
e leviano, pois o quadro em que esses dois erros apareceram é de utilidade,
seriedade e um oásis na televisão de entretenimento. É
aquele espaço que leva ao grande público temas filosóficos
ou merecedores de reflexão, por uma professora universitária qualificada
que consegue falar simples acerca de temas complexos, os filosóficos.
Só merece aplauso.
O quadro foi sobre o conflito entre a razão e a loucura. Tenho o dever
ético de abordar um desses erros em homenagem à memória
da Dra Nise da Silveira, de quem fui uma espécie de aluno e admirador
em minha vida adulta desde que a conheci. E da Casa das Palmeiras da qual participo.
Ao se reportar ao início da luta anti manicomial no Brasil para casos
de esquizofrenia, a matéria de anteontem no referido programa, apresentou
antiga e meritória reportagem do Fantástico de 1980 e ali se atribui
a ela ( reportagem), o começo da pregação que redundou
na lei que não permite internações a qualquer preço,
choques elétricos, sedativos cavalares e outras formas de tratamentos
antigos, que abundavam na maioria dos hospitais e clínicas psiquiátricas.
Ora, muito antes disso a Dra. Nise da Silveira, sozinha, vinda de prisão
ao tempo da Ditadura do Estado Novo, rechaçada pela classe já
experimentava novas formas de tratamento da esquizofrenia, isso no Hospital
Pedro II no Engenho de Dentro.
Como corolário da sua luta e para testar as próprias teses, hoje
aceitas internacionalmente, Nise fundou a Casa das Palmeiras. Para os que não
sabem a Casa das Palmeiras está a completar cinqüenta anos neste
2006. Sim, 50 anos! E o que é? Trata-se de uma Casa modesta (ela não
quis dar o nome de Clínica) onde os clientes esquizofrênicos, em
regime de externato, a maioria pobres vão como que para um colégio
ao início das tardes e lá ficam em atividades livres e variadas
até as seis da tarde quando voltam para suas casas. Além do tratamento
supervisionado por dois psiquiatras idealistas, psicólogos/as e estagiários/as,
os clientes escolhem o tipo de atividade artística que desejam: pintura,
escultura, talha, gravura, música, leitura. Isso além de atividades
grupais lúdicas. É um lugar comovente pela força de vida
que ali se exercita e vive.
Muito antes da importante reportagem de 1980 citada pelo Fantástico,
a Dra. Nise da Silveira, esta heroína, já usava métodos
avançados para a época. Hoje a Casa das Palmeiras sobrevive, mas
precisa ser de novo conhecida e fortalecida, pela grandeza de seu trabalho de
50 anos. Por que o Fantástico, ou algum daqueles ótimos programas
de meia hora da Globo News, não passam por lá para o Brasil conhecer
os primórdios da liberdade no tratamento da esquizofrenia, onde a arte,
além e mais importante do que ser bela ( e muitas vezes o é, e
genial em alguns casos), é a terapêutica principal? Fica a sugestão.
É na Rua Sorocaba 800, quase esquina de General Polydoro.
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