A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Dra Nise da Silveira Esquecida

(Artur da Távola)

O Fantástico cometeu dois erros sérios em matéria de domingo último, porém não pode ser criticado de modo ligeiro e leviano, pois o quadro em que esses dois erros apareceram é de utilidade, seriedade e um oásis na televisão de entretenimento. É aquele espaço que leva ao grande público temas filosóficos ou merecedores de reflexão, por uma professora universitária qualificada que consegue falar simples acerca de temas complexos, os filosóficos. Só merece aplauso.

O quadro foi sobre o conflito entre a razão e a loucura. Tenho o dever ético de abordar um desses erros em homenagem à memória da Dra Nise da Silveira, de quem fui uma espécie de aluno e admirador em minha vida adulta desde que a conheci. E da Casa das Palmeiras da qual participo.

Ao se reportar ao início da luta anti manicomial no Brasil para casos de esquizofrenia, a matéria de anteontem no referido programa, apresentou antiga e meritória reportagem do Fantástico de 1980 e ali se atribui a ela ( reportagem), o começo da pregação que redundou na lei que não permite internações a qualquer preço, choques elétricos, sedativos cavalares e outras formas de tratamentos antigos, que abundavam na maioria dos hospitais e clínicas psiquiátricas.

Ora, muito antes disso a Dra. Nise da Silveira, sozinha, vinda de prisão ao tempo da Ditadura do Estado Novo, rechaçada pela classe já experimentava novas formas de tratamento da esquizofrenia, isso no Hospital Pedro II no Engenho de Dentro.

Como corolário da sua luta e para testar as próprias teses, hoje aceitas internacionalmente, Nise fundou a Casa das Palmeiras. Para os que não sabem a Casa das Palmeiras está a completar cinqüenta anos neste 2006. Sim, 50 anos! E o que é? Trata-se de uma Casa modesta (ela não quis dar o nome de Clínica) onde os clientes esquizofrênicos, em regime de externato, a maioria pobres vão como que para um colégio ao início das tardes e lá ficam em atividades livres e variadas até as seis da tarde quando voltam para suas casas. Além do tratamento supervisionado por dois psiquiatras idealistas, psicólogos/as e estagiários/as, os clientes escolhem o tipo de atividade artística que desejam: pintura, escultura, talha, gravura, música, leitura. Isso além de atividades grupais lúdicas. É um lugar comovente pela força de vida que ali se exercita e vive.

Muito antes da importante reportagem de 1980 citada pelo Fantástico, a Dra. Nise da Silveira, esta heroína, já usava métodos avançados para a época. Hoje a Casa das Palmeiras sobrevive, mas precisa ser de novo conhecida e fortalecida, pela grandeza de seu trabalho de 50 anos. Por que o Fantástico, ou algum daqueles ótimos programas de meia hora da Globo News, não passam por lá para o Brasil conhecer os primórdios da liberdade no tratamento da esquizofrenia, onde a arte, além e mais importante do que ser bela ( e muitas vezes o é, e genial em alguns casos), é a terapêutica principal? Fica a sugestão. É na Rua Sorocaba 800, quase esquina de General Polydoro.

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