A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Dor de mãe é diferente

(Artur da Távola)

Todos os dias, nos telejornais, há alguma figura de mãe a chorar. Olhando o Brasil de hoje com um misto do amor de sempre e um sentimento interno de perturbação, não penso apenas nas pessoas que morrem por motivos fúteis, como diz o Código Penal. Ou sendo inocentes. Ou culpadas. Ou jovens demais. Ou filhos na escola. A bala perdida. Ou estudantes. Ou presidiários. E não penso apenas nas mães. Penso também nos maridos dessas mães de anônimos que são os heróis e os vilões de uma guerra civil. Esses maridos fenecem em vida, quando vêem a mulher destroçada seja pela morte do filho ou filha, e com isso passam a constar das listas de hipertensos, deprimidos, diabéticos por trauma violento, doentes da coluna, dos rins, a voltar cabisbaixos da sessão de hemodiálise, tudo por estresse e machucadura.

Penso nas mães dos rapazes que iam para a universidade, nas moças que estavam para se graduar em informática. E o que dizer das mães que perderam filhas grávidas? O que se passa dentro desse ser de entranhas e grandezas que é a mãe, diante da dilaceração moral e material que assola o Brasil? Aprendi na escola ser meu país dos poucos do mundo que nunca fez uma guerra de conquista. E a única na qual entrou, a Guerra do Paraguai, foi por justa razão (por mais controvérsias haja). Agora a guerra é aqui dentro. Sendo um país maravilhosamente mestiço, sem ódios raciais nem religiosos, jamais deixando de incorporar os estrangeiros que para cá vieram (nossa única chaga moral de vulto foi o que fizemos com os índios e suas nações e com a destruição do meio ambiente); sendo um país assim pacífico, vive a guerra interna, que vai do assassinato num sinal de trânsito, num assalto na rua ou no pânico agora coletivo da possibilidade de se paralisar cidades inteiras e deixar as autoridades na confusão e na troca de acusações em que hoje estão metidos.

Penso nessas mães. Dor de mãe é diferente. Idem a memória. Minha mãe perdeu uma filha de cinco anos por erro de diagnóstico. 60 anos depois, só ela ainda sabia de suas dores. Imagino, hoje, as mesmas mães transtornadas por passadas e presentes guerras brutais da humanidade, a doer igual nas mães brasileiras. A sua benção, mães brasileiras.

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