A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Salve periferia!

(Artur da Távola)

Está de parabéns o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, por prestigiar a inauguração do Museu da Maré. A entidade relembra os tempos em que começou todo aquele hoje descomunal e sofrido complexo de casas pobres sobre palafitas, na junção da maré com a praia, ali perto do aeroporto, mas antes mesmo do Galeão, que hoje é Antonio Carlos Jobim ( e eu me honro de haver sido o relator dessa troca de nomes, quando no Senado).

Em 1959, eu já fazia jornalismo há três anos. Coube-me uma reportagem na então pequena favela da Maré. Minha impressão foi de tal ordem que, naquele momento, fiz um compromisso interior de lutar pela justiça social. Uma espécie de auto-juramento. Acontecia o que os cristãos dizem ser um "chamado", tradução de vocação. E assim fiz. No ano seguinte, me elegia Deputado Constituinte do então recém criado Estado da Guanabara. Fui eleito por milagre. Depois, outra vez, em 62. Aí veio o movimento militar de 54, exílio na Bolívia e no Chile, retorno como jornalista e, anos depois, à política por 16 anos, dois mandatos de deputado federal, um de Senador. E cumpri meu juramento e meu dever. Tudo isto para dizer que, nesse particular, sou, como o Brasil, um derrotado.

Mas o importante não é a minha história. É a reação das periferias, na busca de condições de vida cultural, de movimentos comunitários, de agregação através da arte do povo pobre, nem por isso de menor valor que a arte do povo bem aquinhoado de dinheiro. Há movimentos em favelas realmente notáveis, que já retiraram da marginalidade milhares, talvez mais que milhares de crianças e jovens.

A Rede Globo, com o talento acima do normal, a simpatia e espontaneidade da Regina Casé, tem feito, no Fantástico, reportagens formidáveis na periferia, justamente com a finalidade de levantar a auto-estima de seus moradores e mostrar à população o quanto de trabalho, seriedade e luta nela existem (resistem?).

As demais emissoras fazem o mesmo tipo de reportagem, mas escolhem o lado policial e conseguem bons pontos no Ibope. Abençoadas, todavia, sejam as estratégias de audiência que sinalizam a verdadeira preocupação social e fazem conhecer o caráter e o coração da maioria de moradores em favelas. Ademais, abençoados sejam o Afro Reggae, o trabalho na Mangueira, no Salgueiro, o José Luis Soares, aquele capitão ex-BOPE, o João Salles, o Eduardo Coutinho, a Alba Zaluar, tanta gente haveria para citar nessa linha, mas o espaço acabou.

O mal se combate fortalecendo o bem.

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