Nos dias que antecederam a este carnaval, vi muito programa de televisão
com essas estrelas cadentes que são os heróis do nosso carnaval.
E meu pensamento voou para os anos 60 e 70, quando as Escolas de Samba não
eram o espetáculo de hoje, porém tinham o encanto do que é
de raiz. E assim a divagar mentalmente, lembrei-me de que, neste ano 2006, fará
26 anos da morte de Mestre André, chefe da bateria da Mocidade Independente
de Padre Miguel. Foi no dia 4 de novembro de 1980. Depois disso, a gente assistiu
ao seu filho comandar a bateria, isso, desde garotote.
Na bateria de Mestre André estavam todas as crianças a quem se
passa a lição que ensina o seu povo a prosseguir e a confiar;
os deuses escondidos das religiões oprimidas; a força que mora
guardada no povo brasileiro à espera do dia em que o país seja
de quem o faz e não de quem o aproveita; as pulsações de
todas as estrelas que já morreram e de todo o movimento cósmico
que nos faz viver; centenas de mãos pobres batendo na miséria
e na injustiça, não com golpes da destruição, mas
com a percussão da harmonia e da integração. É isso
que o ritmo simboliza.
Na bateria comandada e cheia de invenções daquele gênio
do ritmo, pulsava a vibração maior da alegria de criar em conjunto
sem, por isso, anular-se cada indivíduo. Ela permitia todas as criações,
todos os misteriosos andamentos da criatividade, da energia, da força,
da doçura. Ela dava a cadência certa para quem fosse guerreiro
de beleza. Nela, o coração do samba batia o compasso do passado
e do futuro no presente. Na bateria dele estavam sintetizadas todas as demais
maravilhosas baterias, pontal de qualidade, ecos guerreiros em nossas escolas
de samba. Nela estava o pé descalço, a boca sem dentes, o cabelo
por pentear na beleza maior do povo do Brasil. Estava o sonho fantasiado da
vida que um dia se vai construir, estava um reino de liberdade, beleza, cor
e redenção.
Saudades da batida singular de Mestre André, quase vinte seis anos após
sua morte. Ela fez do simples pulsar do seu coração de poeta sem
palavras, a percussão de maior repercussão, o mais afinado e total
compasso da arte de viver e de ser brasileiro.
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